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Blog do Carlos Melo

O dilema de Geraldo Alckmin

Carlos Melo

05/12/2017 09h11

Foto: Ernesto Rodrigues/Folhapress

Impressionados com o brilho de pirita de João Doria, setores do mercado financeiro chegaram a igualar Geraldo Alckmin a Hillary Clinton, sugerindo que o governador fosse um cabra marcado para morrer, na eleição de 2018. Pode ser; só o futuro dirá. Mas, o fato é que tudo se definiu à revelia da criatura e a favor do criador: o prefeito queimou largada, perdeu espaço dentro e fora do PSDB, que agora parece decidido pelo governador como seu mais adequado nome à disputa eleitoral do ano que vem.

Por enquanto, Alckmin é o mais competitivo candidato do Centro Democrático (expressão imprecisa para definir esse campo político; clique aqui para ler artigo anterior). É conhecido, traz no currículo quatro mandatos como governador do principal estado da nação. E ainda que não se notabilize por nenhuma realização em especial — os tucanos terão trabalho para explicar isso —, situa-se num ponto equidistante entre direita e esquerda, favorecendo-se do temor que a polarização entre Lula e Bolsonaro desperta.

Verdade que, até aqui, o governador tenha dado aulas de como jogar parado — a corda da liberdade que concedeu a João Doria foi expressão de que os anos de experiências lhe deram habilidades que o candidato de 2006 não possuía: parece menos afoito e mais estratégico; hoje, não se deixaria vestir com fantasias de corporações estatais. Além disso, é beneficiado pela ressaca do PT e do lulismo, como também da fragilidade de seus adversários de "Centro".

Mas, como persona política, é sabido que não arrebata corações; não disputa o campo da emoção ou da revolta, elementos com que seus adversários trabalharão à exaustão. O foco de Geraldo Alckmin são os espíritos moderados, que detestam turbulências e aventuras; os que rejeitam o messianismo e o arrebatamento, em tudo contrário ao atual momento.

Não é dado a arroubos de prima-dona; é um simples. Fica ali no meio termo: nem doce, nem salgado, nem quente, nem frio. Morno. Ameno. Moderado. Uma vez eleito, não deve revelar surpresas de estilo. Para o empresariado será apenas "confiável" — sem a centelha do formulador de políticas inovadoras; sem o urro leonino contra as raposas do fisiologismo; sempre o comedimento e o zelo fiscal do contador. Para os economistas, by the book — como manda o livro.

Se, até aqui, jogar parado foi vantajoso, daqui para frente pode ser prejudicial. A disputa entra numa nova fase: a impressão de imobilidade e falta de energia é, normalmente, mortal para quem necessita expressar liderança. Além de apelidos sobre insipidez, isto lhe traz outros dissabores: não é o desafeto de ninguém, mas tampouco é o preferido.

Torna-se o candidato cuja maior barreira está em ultrapassar o primeiro turno, o momento da emoção. Carecerá de instrumentos mais palpáveis de campanha, já que nada poderá ficar exclusivamente por conta de sua imagem e perfil de baixa intensidade.

À falta de carisma, requer máquina parruda para expressar a figura, as ideias, o temperamento (moderado) e, assim, convencer de predicados e avançar na eleição. Uma campanha para o estilo Geraldo Alckmin de ser não pode prescindir de instrumentos mais eleitorais do que políticos: visibilidade nas ruas, capilaridade territorial, logística e tempo de televisão… Condições que demandam a soma de uma ampla coalizão de partidos.

Quando Henrique Meirelles disse que o governador não seria candidato do governo federal, acertou em cheio na provocação: o apoio a Geraldo Alckmin não virá por falta de alternativa; mais que uma "ficada", o PMDB exige compromisso; andar no shopping de mãos dadas, declarações públicas de amor. Meirelles sabe que, do Monte das Oliveiras, o PMDB oferece o mundo, mas, mais que adoração ao duvidoso "legado" de seu governo, exige acordos, conchavos e pactos de continuidade e blindagem.

Por outro lado, também é sabido que, à parte da máquina, de resto o apoio político de Michel Temer e de seu governo pode contar negativamente na campanha. Só mesmo o presidente confia no poder (sic) de sua imagem e comunicação; só mesmo ele e Meirelles creem nos efeitos mágicos da recuperação econômica sobre a eleição; só mesmo quem está muito enrolado supõe possível omitir o desgaste ético do sistema político e os custos de sua identificação com a corrupção.

Alckmin não desconhece nada disso e busca distância. Mais uma vez, tenta jogar parado, esperando que a dinâmica política defina o jogo; quer que o PMDB adira a ele, por falta de opção e "gravidade", como João Doria. Mas, o fato é: se não comer na mão do temerismo, tenderá a ficar isolado no PSDB, sem dispor dos apetrechos eleitorais de que carece; à sorte da campanha e de  um PSDB também combalido.

O dilema está posto. A alternativa seria mudar o jogo; movimentar-se com mais disposição; impor-se não pela ausência, mas como verdadeira opção. Isto demandaria, porém, uma brusca mudança de imagem; um cavalo-de-pau não apenas de marketing, mas de personalidade: um Alckmin vigoroso, propondo transformações de fundo; comprando posições claras, mesmo que impopulares; de dedo em riste, rompendo com o sistema e com elementos desgastados, de seu partido inclusive. Uma reinvenção de si mesmo. Será capaz; a política opera milagres? Algumas vezes, sim; noutras, não.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

 

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.