Precocidade
Com o fim-de-ano se aproximando, as semanas são menores, mais dispersas e os fatos se sucedem vertiginosamente. Findo o processo de formação do ministério, a preocupação se volta para o encaminhamento da agenda e, com isso, para a articulação e formação da maioria no Congresso. E aí é que se revela que nem tudo são flores nas hostes Bolsonaristas. Aos poucos, fica evidente o desalinhamento de objetivos e dispersão de energia entre os vários setores.
Paulo Guedes e sua equipe olham, evidentemente, para a Economia. Entendem que retomar a confiança dos agentes econômicos e atrair investimentos significa colocar o país em outro ciclo. O desenvolvimento pode significar a superação da crise que abraça o Brasil há quatro anos.
Claro que o presidente eleito, sua prole e exíguos operadores políticos concordam com isso. Mas, para Guedes e agentes econômicos mais relevantes, o início da superação passa obrigatoriamente pela reforma da Previdência.
Com a reforma (bem) encaminhada logo nos primeiros passos, haverá o que os economistas chamam de choque positivo de expectativas. A confiança na presumível marcha do desenvolvimento faz com que o desenvolvimento de fato ocorra. O contrário também seria verdade e tudo poderá piorar. Assim, o destino do país depende dos primeiros sinais de controle ou descontrole do processo. São as tais profecias autorrealizáveis.
Recuperando opiniões que teriam sido emitidas pelo próprio vice presidente da República. Hamilton Mourão, "o ponto focal" desta questão "é o pensamento do presidente… é isso que está preocupando". Bolsonaro parece vacilar em relação à reforma.
Mudança tão profundas quanto necessárias na Previdência tendem a afetar setores que foram importantes para a eleição do presidente: juízes, promotores, militares, policias… Enfrentar esses interesses significa cortar na própria base. Por isso, é que tanto Bolsonaro quanto seus operadores têm tergiversado em relação ao tema.
O próprio presidente sinalizou que poderia "fatiar" a reforma, começando pela "idade mínima". E sabe-se lá quanto ao resto, quando e como seria encaminhado; se é que não seria colocado "na conta do Abreu".
Isto tem elevado bastante a tensão no interior do futuro governo. Há pressão por todos os lados.
Igual desalinhamento parece se repetir na questão do apoio à eleição de Rodrigo Maia para a presidência da mesa da Câmara de Deputados. Também aí a tropa parece se dividir. A parcela mais pura e radical do Bolsonarismo identifica Maia com a "velha política" e exige sangue novo; enquanto o pragmatismo fala mais alto à outra parcela: o atual presidente da Câmara pode procurar o apoio que ainda lhe falta justamente na esquerda e na oposição a Bolsonaro. E será aí que a agenda das reformas não encontrará mesmo vazão.
Junto a isto, o governo sofre de tremenda escassez de bons e testados operadores políticos. Sua tropa de choque, que é pequena e inexperiente, somada agora por ex parlamentares que não se reelegeram, desperta pouca credibilidade. No Congresso, gente sem mandato é pouco ouvida.
A poucos dias de tomar posse, o governo ainda é um todo de disputas e incertezas. Outro ponto de desgaste é ainda a questão da movimentação financeira de um assessor de Flávio Bolsonaro, senador eleito, que até aqui não foi esclarecida. E justamente por isto não desapareceu do interesse da mídia, sinalizando para um prematuro desgaste.
Disputas e cotoveladas, desgastes éticos e uma ou outra trapalhada são quase sempre inevitáveis e, por isso, normais em qualquer governo. Mas, sempre ocorrem mais adiante no tempo. Nunca se configuram assim tão cedo, desde a largada. Nesse aspecto, governo Bolsonaro se mostra um tanto precoce.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.