Mano Brown e a música do PT
A realidade é que o PT tem muita dificuldade de encarar a realidade. Contribui para isto o romantismo da esquerda, o superdimensionamento de seu papel na política nacional, a arrogância oceânica e a vaidade temerária que possui. Isto tudo, agora, reforçado pelo parcial sucesso no primeiro turno e por uma avaliação incorreta a respeito do resultado do segundo. Não compreendeu o que na lata lhe disse Mano Brown: "a cegueira que atinge lá [o eleitorado de Jair Bolsonaro] atinge nós também. Não tem o que comemorar." Foi vaiado.
Disse mais o vocalista dos Racionais: afirmou não gostar de política "porque política não rima, não tem suingue, não tem balanço, não tem nada que me interesse. Eu gosto de música." A política já foi bossa nova, já foi rock´n´roll, já deu samba e fez Hip hop. Contudo, hoje é dissonante. Sua rima é pobre, o charme é zero, o resultado é ralo. Em especial, a banda do PT parou para ver o tempo passar. Calou o som que possuiu um dia.
O cidadão comum tem questões, medos e anseios que o sistema não compreende. Seu presente é incerto e ainda mais o futuro. Foram imensas as transformações que o atingiram na sua tradicional concepção de família, no que tinha por ideal como emprego; revolucionou a tecnologia o mundo do trabalho. Na segurança, no mais elementar ato de cidadania que é o de andar nas ruas, o terror de uma bala perdida encontrar um dos seus.
Mas nem por isso a política deixou de ser necessária, um imperativo para a humanidade, num mundo muito mais complexo que antes. Disse Caetano Veloso que "ele [Jair Bolsonaro] trouxe complexidade"; na verdade, JB a revelou. A complexidade que o PT não apreende, pois tanto quanto Bolsonaro parece fazer parte de outro século, de outra realidade. Com o agravante, como assinalou Mano Brown, de perder o pulso das ruas, muito mais que a eleição.
Em virtude disto, é inevitável reconhecer que o país precisa de uma nova oposição cuja maior virtude residirá na disposição para reconhecer erros e se corrigir, na organização de uma ampla frente ampla capaz de reavaliar o mundo e reinterpreta-lo. Um mundo com Donalds Trumps, que fazem Marine Le Pen parecer uma freira moderada; num tempo em que o dimensional Jair Bolsonaro é eleito presidente num país multirracional, multicultural e multifacetado de glórias e tragédias.
O PT, no entanto, sob esta perspectiva, parece incapaz de reunir e arejar os derrotados por Bolsonaro: PDT, PSB, PSOL, PSTU, PCdoB, MDB, PSDB; a sociedade. Menos ainda aqueles que contra o PT anularam ou votaram no ex-capitão, e mesmo assim não se sentem representados porque, no fim, não era exatamente o que queriam.
Opartido foi para a derrota acreditando que, na segunda-feira, ainda amanheceria como protagonista da oposição, sem que tivesse muito mais a dizer a não ser atribuir culpas aos outros por sua derrota diante de Bolsonaro. Uma derrota recheada de erros estratégicos, de teimosia, de estreitismo político, econômico e intelectual. Nem o parceiro PCdoB ficou para o café da manhã.
Suspeito que o PT não tenha, infelizmente, nada a dizer senão que, logo mais, sem tardar, irá lançar mão da surrada palavra de ordem "Fora Bolsonaro", repetindo o que fez com Collor, FHC e mais recentemente com Michel Temer, sem mostrar as saídas do labirinto; apenas, mais uma vez, amaldiçoando a escuridão que de fato existe. E isto já não basta pois a realidade ficou, como indicou Caetano, mais complexa e Jair Bolsonaro é um aflitivo exemplo vivo disso, dessa complexidade e desse enigma que precisam ser decifrados.
Ok, reconheça-se que hoje é muito fácil falar mal do PT. Quase não há custo e ainda pode soar como providencial, oportunista e velado tributo à nova ordem que se instalou com a eleição. Mas, é melhor encarar a realidade de que há um longo caminho para a oposição e para reconstrução da política no Brasil.
Neste momento, o caminho consiste em baixar a bola do PT, até parareintegrar parcela de seus membros. Descobrir e colocar novos atores em cena. Encontrar novas rimas, novo balanço, redescobrir o suingue de uma nova política. Compor sua música.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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