Visões e previsões do futuro
Com a eclosão dos debates, a deterioração das relações pessoais e explosão dos ânimos neste segundo turno, além da polarização política normal há também divergência quanto as perspectivas do país. Uma parte das pessoas avalia a situação como grave-gravíssima, com risco ao sistema democrático. Outra, enxerga nisso tudo um grande exagero, as instituições estariam sólidas e o sistema de pesos e contrapesos nacional é imune qualquer que seja o resultado da eleição.
O caminho, como sempre, se fará andando, sem saber ao certo aonde levará. A incerteza é a coisa mais certa entre todas as coisas no Brasil. O otimismo é sempre melhor e cai bem aos ouvidos, desperta suspiros de alívio e chama a compartilhamentos. Já o pessimismo é desagradável; obriga a pensar e pede contenção, moderação para que sua cisma não se efetive como profecia auto realizável. Ao pessimista sempre valerá a pena estar errado. Já o otimista, quando erra, vê à sua frente as armadilhas da imprevidência ajudou a montar.
Mas, enfim, há que se admitir que os otimistas deste tempo brasileiro trazem uma boa notícia e, de certo modo, dizem tudo o que se quer ouvir: nada de ruim ocorrerá e a vida seguirá seu rumo, seja quem for o próximo presidente, sobretudo, no cenário Jair Bolsonaro. É bom viver nesse conforto. O cidadão lê e vai dormir pacificado. Quem não gosta de sentir o futuro em calma, a paz ou pelo menos a segurança de conflitos contornáveis pelos mecanismos da democracia representativa e das instituições de controle? Não haveria, assim, lugar melhor para criar os filhos.
A má notícia é que esse grupo tem errado sistematicamente, embora não reconheça e nem reavalie tudo o que disseram seus membros no passado.
Primeiro, acreditaram que o impeachment seria um passeio, atribuindo quase que exclusivamente à Dilma Rousseff os males do sistema político. Apostaram na capacidade e na experiência do hoje esquecido Michel Temer, o craque do meio-de-campo do Congresso Nacional. Secundado por raposas do PMDB, como Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima, Romero Jucá, Wellington Moreira Franco e Eliseu Padilha, nesta visão, o governo controlaria o Parlamento, aprovaria as reformas e selaria um grande acordo, "com supremo e com tudo".
Esse mesmo grupo se animou com João Doria, após sua vitória na eleição paulistana, em 2016. O gestor não político revolucionaria a política nacional, um Emmanuel Macron tropical, lembram? Tudo o que fazia havia as luzes dos gênios, até mesmo na arrogância. Declarar guerra ao PT, o cachorro morto de então, ou atropelar o padrinho, Geraldo Alckmin, era tão "corajoso", quanto inevitável quebra de ovos para fazer o omeletes na eleição presidencial.
O fracasso do ex-prefeito os levou a considerar as chances de Henrique Meirelles. Afinal a qualidade dos membros de sua equipe econômica, técnicos independentes da política, levaria a economia à acelerada recuperação. Diziam que, em maio deste ano, o Brasil estaria "bombando".
Superada a fase ilusória, contentaram-se ao ver Geraldo Alckmin se cercar do Centrão. O magnífico tempo de TV asseguraria a vitória eleitoral ao tucano e, assim, a realização do mercado. Com Lula na prisão, o PT estaria morto. Jair Bolsonaro não passaria de uma espécie de Celso Russomano nacional, que derreteria tão logo começasse a campanha.
É claro que, hoje, tudo se explica pelo inexplicável: cisnes negros teriam invadido o país. A delação/armação de Joesley Batista e a facada que quase liquidou Jair Bolsonaro são muletas para qualquer tombo. Não saibam que no Brasil dos últimos anos não há cisnes brancos? Aqui todos os marrecos e assemelhados são mesmo pretos.
Para o grupo chamado pessimista, nada seria exatamente assim, ou pelo menos faltava evidências, para além da torcida, de que pudesse vir a ser assim. As desventuras em série desautorizavam o otimismo e o fundo do poço aqui é só figura de linguagem, pois não há fundo. O Brasil gigante adormecido não estaria definitivamente fadado ao sucesso e à glória — a única "glória" que deu foi mesmo na evocação do Cabo Daciolo.
O fato é que há espaço para dúvidas e receios: o favorito na disputa presidencial, Jair Bolsonaro, à parte do discurso de seus entusiastas, é indiscutivelmente uma novidade da qual se sabe muito pouco quase nada. Em se tratando de Bolsonaro, o que pode ser previsto ou imaginado? Por não haver experiência anterior, simplesmente não se conhece o padrão de comportamento seu e de seu grupo e apoiadores, em um contexto de poder e euforia com a vitória eleitoral. Pelas afirmações dos últimos anos, se não a democracia pelo menos várias liberdades individuais estariam em perigo. Não há evidência, além da fé, de que não estejam.
O mesmo se dá com o PT. Em sua interminável pretensão hegemônica, a legenda se recusa rever seu passado, expiar seus erros e espantar temores de eleitores mais precavidos e exigentes. Na inflexão que forçosamente fariam ao centro neste segundo turno, os petistas parecem acreditar que os apoios virão por gravidade. Em Fernando Haddad desaguariam todos os votos por simples falta de opção. Ora, ora, ora… O voto nulo, o "ligar o f…" e, para alguns, a Europa serão sempre opção. Sem concessão, não haverá compromisso.
No mais, no que uma vitória do PT garantirá automaticamente que seus adversários acatem com tranquilidade o resultado das urnas? Ao inverso, a pergunta é igualmente válida.
Infelizmente, para além do "jogo de contente" de Poliana, não é possível provar que as instituições do país de fato funcionam. Até porque, se funcionassem, o país não teria chegado ao ponto em que está. A perspectiva de que funcionem como freios ao próximo presidente é uma aposta. Respeitável, mas apenas uma aposta, que, oxalá, esteja correta.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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