Distensão rápida, urgente e madura
Sociedade é conflito; é natural que os vários interesses se confrontem. Para negociar o conflito, a humanidade inventou a política. A política é a arte do diálogo, na busca de um consenso possível. Quando não é possível, a política se transforma num instrumento de conquista, manutenção e ampliação do poder, a capacidade de impor aos outros a nossa vontade. É pela política que se altera o status quo, que outros grupos se fortalecem e renovam o poder. Nada disso deveria surpreender, por óbvio que é.
O grande desafio é submeter esse conflito e essa luta às regras do jogo, tornando o jogo civilizado e previsível. De forma que o consenso ou o poder estabelecem as leis e são as leis que definem o jogo. O grande salto humano foi descobrir que tudo isto pode ser feito de maneira natural. Que diferenças são naturais, que a alternância de poder é natural, que a diversidade é positiva e não negativa. Que a civilização é a negação da barbárie e a isto se dá o nome de democracia.
O maior ativo de um país é a qualidade da sua democracia.
No Brasil contemporâneo, a diversidade já não é vista como natural, estabeleceu-se o que tem sido chamado de polarização. O problema não é a polarização e nem o conflito. Mas, a intolerância que transborda de uma relação sem mediação da política. Como num jogo, na democracia, não há inimigos, apenas adversários circunstanciais que formam coalizões também circunstâncias que se alteram a cada mudança da realidade.
A qualidade de sua democracia é o grande nó do país: a política já não é o software que percebe as transformações e rearticula alianças. A unidade se partiu e, no curto prazo, será muito difícil colar.
Nas ocasiões de conflito, operadores da política agem como bombeiros, apagando focos de incêndio espalhados pela sociedade. Bombeiros são imprescindíveis. Em meados da década de 1970, durante o regime militar havia, naturalmente, polarização. Mas, ao contrário de hoje, uma geração de políticos conciliadores, quase provenientes do antigo PSD agia como bombeiros. Algodão entre cristais.
A política não pode perder essa perspectiva nem em seus piores momentos. Arquitetos de pontes e atalhos, canais de comunicação e bombeiros serão sempre fundamentais.
O problema da situação em que vivemos é que esse tipo de político anda escasso no mercado nacional. Procura-se um, com lanterna em plena luz do dia. Quem possuiria trânsito de modo promover pactos mínimos entre os lados? Quem evitaria que polarização na prática se configure como vetos cruzados? O fato é que o diálogo se rarefez até mesmo nas mesas de jantar. Onde tudo se perdeu?
Difícil dizer sem apontar culpados. Foi mesmo uma marcha da insensatez da qual os vários partidos e personagens políticos participaram. Na última eleição, por exemplo, nem a oposição aceitou o resultado e nem o governo fez esforço para reconhecer a oposição como legítima. Aécio Neves foi incapaz de ligar para Dilma Rousseff parabenizando-a pela vitória – ao contrário, contestou o resultado. A inábil Dilma, por sua vez, mordeu a isca. Em seus discursos de vitória e de posse, negou-se a citar e reconhecer a oposição e suas lideranças.
Fecharam-se para o diálogo e, ao final, uniram-se num abraço de afogados.
Mas, é possível que o vínculo mínimo da política, o tênue fio do diálogo, tenha se perdido até mesmo antes: a principiar pela narrativa de "herança maldita" que Lula atribuiu ao antecessor que lhe ofereceu o processo de transição mais civilizado da história do país. Ou até antes, provavelmente antes, num desencontro qualquer na disputa pelas cadeiras de governos e prefeituras.
Não importa quando, o fato é que neste momento não há brechas nos muros que foram erguidos na política e na sociedade; não há canais comunicantes. Saídas estão sendo bloqueadas onde não há extintores de incêndio. Se alguém gritar fogo… A mais urgente tarefa é definir bombeiros políticos, operadores da capazes de criar canais de contato entre os lados. Distensionar, como se disse no passado, antes que os músculos retesem irremediavelmente. Um distensão rápida urgente e madura.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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