O “fenômeno” Bolsonaro e o segundo turno
Não foram poucos os analistas que afirmaram que Jair Bolsonaro seria uma espécie de Celso Russomano da política nacional. Quando fosse para valer, diziam, o candidato do PSL seria desconstruído, dando espaço a profissionais do PT e do PSDB. Assobiam, agora, disfarçando a incompreensão que tiveram do personagem e das circunstâncias que o envolvem no mundo e no país.
Classificarão o processo como "fenômeno", imprevisível e inexplicável até que acontecesse. Mas, será desculpa. Muito de nós acompanhamos esse processo emocional com menos frieza e distanciamento que o recomendável. Ainda assim, há tempo para compreender o que de fato se deu, de modo a não cometer novos equívocos. Viver é se corrigir.
No começo de julho, argumentei neste Blog (aqui) que Bolsonaro tinha grandes chances, sim. Suspeitava que, por si só, estrutura partidária e tempo de televisão poderiam ser insuficiente aos seus adversários. Logo de arranque, Bolsonaro já se beneficiaria por reocupar um terreno eleitoral que sempre existiu, a direita brasileira em sua forma mais radical e reativa. Espaço que foi do integralismo, da UDN, da Arena, do PDS e de Paulo Maluf, no passado.
Mas, seria incorreto — e presunçoso — afirmar que apenas isto o levou ao segundo turno. Tampouco se pode atribuir ao atentado que sofreu a responsabilidade de trazê-lo até aqui. Assim como à delação de Joesley Batista que complicou a vida de Michel Temer, à facada será classificada como "Cisne Negro", algo raro e imprevisível. País de Cisnes Negros, o Brasil, não?
O atentado ajudou apenas à medida que serviu para afastar Bolsonaro dos debates, onde provavelmente se comunicaria exclusivamente com sua base, mas se daria muito mal no diálogo com os novos setores que se incorporaram em sua campanha quase que por inércia. Quem aderiu ao ex-capitão não o fez por solidariedade, mas por uma série de outras razões que precisam ser compreendidas.
Por exemplo, a errática dinâmica política adotada por seus adversários, que também colaborou para seu sucesso. Ao demonizar o PT, Geraldo Alckmin esqueceu de valorizar a si mesmo, potencializou o antipetismo e o alinhou a Bolsonaro, entendido como o maior antagonista do partido de Lula.
Como o personagem de Jean-Paul Sartre, em "A Náusea" — que ao ser indagado como fizera um nobre moribundo crer em Deus e aceitar a extrema unção, respondeu: "calma lá, eu o fiz ter medo do Diabo" –Alckmin agiu em relação ao eleitor. Antes de qualificar-se, preferiu desqualificar o adversário. Erro crasso que custará levará o partido ao raquitismo, sobretudo, diante de eventual infortúnio de João Doria, no segundo turno da eleição paulista.
Fernando Haddad e o PT também escorregaram. Feio. Ao deixarem "Bolsonaro como problema do Alckmin", retiraram o ex-capitão do foco de crítica da eleição, que praticamente passou ao largo do desgaste natural de quem lidera. Com medo do crescimento dos tucanos, deixaram o candidato do PSL livre de marcação. Esqueceram de monitorar o processo, vendo prosperar seu mais radical inimigo. Bolsonaro, naturalmente, achou ótimo.
Claro que no segundo turno essa facilidade desaparecerá. Ao mesmo tempo em que os procurarão o centro político, buscando amenizar suas imagens e reduzir rejeições, os finalistas trabalharão para inviabilizar o adversário. Ambos terão o mesmo tempo de TV, e igualmente sabem mobilizar as redes sociais. Sendo assim, o certo é que neste segundo turno a campanha será eminentemente destrutiva. A emoção aumentará ainda mais; a tênue unidade nacional ficará sob tensão.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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