Ibope: segundo turno exigirá de Haddad revisão e inflexão ao centro
Pesquisa Ibope, divulgada na noite desta terça-feira, parece absolutamente coerente com as demais sondagens exaustivamente divulgadas nos últimos dias. O recado é simples, se não houver fato novo capaz de abalar o país — e no Brasil não parece existir cisnes brancos, somente negros —, o mais provável é que Jair Bolsonaro e Fernando Haddad se enfrentem mesmo já, agora, e no segundo round da eleição.
Nunca se saberá ao certo se Bolsonaro foi ou não favorecido pelo atentado de que foi vítima ou se despencaria como jaca, diante da propaganda negativa de Geraldo Alckmin. Intuitivamente, diria que o deplorável gesto de violência consolidou o eleitorado do deputado, mas não o despertou.
Tendo defendido que, na verdade, Bolsonaro já ocupara, antes, um setor que sempre existiu e que fora alocado apenas circunstancialmente, por alguns anos, pelos tucanos. A direita voltou a ter uma referência e um símbolo.
A esse eleitorado bolsonarista, digamos assim, parece se juntar, agora, o antipetismo. E é plausível que candidatos como Álvaro Dias, Henrique Meirelles, João Amoêdo e, talvez, Geraldo Alckmin estejam se descapitalizando (de votos) em virtude disto. Ora, se é para se posicionar "contra" ao que quer que seja, que seja, então, pelo modo mais radical. Bolsonaro vai se fixando como a real oposição ao PT e é a ele que recorrem os eleitores que não engolem Lula, Dilma e companhia.
E os mesmos números da pesquisa Ibope mostram mais: no segundo turno, Bolsonaro estaria em vantagem e poderia derrotar a vários candidatos, inclusive a Fernando Haddad. Indicadores que deixam os tucanos ainda mais sem argumentos, posto que já não é tão fácil afirmar que seriam os únicos capazes de bater o PT, na final. Embora dados para segundo turno não tragam, nesse momento, muita segurança, o fato é que já não se pode basear nas pesquisas para tocar terror desse tipo.
Aliás, em relação a Geraldo Alckmin, o candidato com maior tempo de TV e recursos, o Ibope segue a tendência geral, demonstrando as gigantescas dificuldades do ex-governador. Ao antipetismo que migra na direção de Bolsonaro, some-se as restrições dos eleitores às afinidades eletivas de tucanos com o governo Temer e o fato de Geraldo Alckmin, ao posicionar-se na corrida eleitoral, ter trocado o centro político pelo Centrão. A migração eleitoral para os extremos parece tão explicável como inevitável.
Claro que outro importante dado do Ibope é a disparada de Fernando Haddad que, uma semana após ter a candidatura oficializada, já vislumbra ultrapassar a marca dos 20%, distanciando-se do segundo pelotão. A estratégia de Lula parece mesmo surtir efeito, descarregando em seu escolhido o capital de votos que, bem ou mal, mesmo preso em Curitiba, o ex-presidente ainda possui.
Dada esta tendência — se não errar e nem for atropelado por fatos novos —, Haddad estará no segundo turno, enfrentando Bolsonaro e o antipetismo. Mas, ao contrário do que diz o "achismo" nacional, desconfio que nada garanta sua vitória ao final e que a vida do ex-prefeito não seja em nada facilitada pelas condições que o cercam ainda hoje: a recusa do PT em fazer a autocrítica de seus erros e os limites do lulismo, que pode não bastar no segundo turno.
O fato é que, se não ampliar o leque do discurso político, buscando setores para além de seus convertidos, Haddad não chegará além de um mero exemplo da força do padrinho. Tanto precisará se contrapor a Bolsonaro numa enfática defesa da Constituição e da democracia — as declarações do vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, foram um tiro no pé —, como também dialogar com setores econômicos, sem desprezar a força, nesse setor, do reformismo liberal anunciado pelo candidato do PSL e por seus assessores econômicos.
Escrevi há algumas semanas que Fernando Haddad não poderia passar ileso de uma revisão dos erros cometidos pelo governo Dilma e pelo imperativo do ajuste fiscal. Afirmei que o petista se veria diante de um dilema: "mais que um problema delicado, trata-se de uma equação difícil: qualquer gesto de autonomia compreenderá em abalos na campanha; qualquer sinal de falta de autoridade implicará em desgastes na mídia, na opinião pública e diante de setores econômicos que, queiram ou não parcelas do petismo, têm importância se não na eleição, certamente no futuro governo" (aqui).
O ex-prefeito parece estar, ao seu modo, realizando uma revisão dos postulados petistas; em recentes participações neste UOL e na Rádio CBN, estabeleceu marcos sutis de algum tipo de revisionismo econômico — o que pode ser confirmar ou não. Além disso, enviou recados em garrafas que aos poucos devem chegar à praia de adversários como Marina Silva, Ciro Gomes e até Geraldo Alckmin, a quem desde sempre tem poupado pessoalmente.
E, claro, que intenções não bastarão. Haddad terá que exibir símbolos mais contundentes, atraindo para sua campanha personagens tanto mais eloquentes da veracidade de sua revisão, quanto fiadores de suas promessas ao longo do governo. Não será estranho que o tal do mercado e mesmo o PT o obriguem a antecipar qual será, afinal, o perfil de seu ministério.
Enfim, reposicionamento econômico e uma inescapável inflexão ao centro comporiam movimentos estratégicos dos quais não terá muita margem para escapar. Ninguém saberá dizer se será suficiente e vencer Jair Bolsonaro e o antipetismo. Menos ainda se o PT mais ajudará ou mais atrapalhará esse processo. Só o tempo dirá.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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