As pesquisas e a corrida
A rodada de pesquisas eleitorais divulgadas ao longo da semana não trouxe novidade. Seu traço principal foi expressar números ou posições que apareciam em sondagens anteriores. Sua grande questão é, talvez, ter demonstrado realidades em vias de consolidação, agudizando temores dai decorrentes. Há chão pela frente, mas largada foi dada e agora tudo é contagem regressiva. No vapt-vupt da campanha, atores em desvantagem terão que correr muito para ganhar posições. Os da dianteira, suar o bastante para não ser ultrapassados.
Que Lula estaria na frente em qualquer caso – preso ou em liberdade – era de esperar. Para os que, por motivos meramente eleitorais, torceram por sua prisão, a vitimização do ex-presidente foi um tiro no pé. Ao longo da semana, numa palestra em que participei, um dos presentes quis saber porque, depois e apesar de tudo, Lula ainda continua forte, crescendo, até. Boa pergunta. Dei tratos à bola.
O que temos são hipóteses. A primeira seria a falta de adversários, onde há praticamente um deserto. Os atuais postulantes e equipes parecem atores mirins comparados aos do passado. O segundo ponto é que, para boa parte dos eleitores, a vitimização de Lula de fato faça sentido.
Menos por sua discutida inocência e mais pela falta de punição de personagens que, envolvidos com escândalos que evidenciaram "malas, dinheiros e corridinhas" – para usar as expressões do ministro Luís Roberto Barroso – permanecem em liberdade, protegidos por foros especiais e corporações de juízes e políticos. Há no país quem ainda não tolere o tratamento entendido como desigual.
O terceiro aspecto, é claro, seria a lembrança que seus eleitores têm do período Lulista no Planalto. Em que pese o que ocorria no entorno, pelos mais variados motivos, foram anos de desenvolvimento e inclusão. É um tempo que não volta, pois dificilmente suas causas se repetirão. Mas que desperta nostalgia, isso desperta.
De modo que não seria difícil imaginar a influência de Lula na eleição. E nem mais se questiona se haverá ou não transferência de prestígio e votos do ex-presidente para Fernando Haddad. Haverá. O que não está claro é em que magnitude; se a transferência será o suficiente para colocar o ex prefeito entre os dois primeiros colocados do primeiro turno. A corrida está avançada e Haddad parte dos boxes. A máquina, o combustível e a habilidade do piloto terão que ser extraordinários. Serão?
Também não causa admiração que Jair Bolsonaro, na ausência de Lula, assumisse a dianteira. Todas as sondagens anteriores demonstravam isso. O apoio ao deputado, a despeito da soberba de seus adversários, é sólido, embora limitado. Não surpreende que um candidato com as características de Bolsonaro, no mundo e no país em que vivemos tenha 1 eleitor em cada 5. Na loucura e no transe do planeta, na vertigem dos últimos anos, até admira até seja apenas isto, ao menos por enquanto.
É evidente que este cenário compreende um enorme desafio para o pelotão que vem atrás dos líderes: embolar com a turma da frente e cruzar a linha de chegada, no mínimo, com o bico do carro à frente.
Aparentemente, quem possui mais máquina e equipe para isto é Geraldo Alckmin, mas a torcida começa a suspeitar que falta piloto. Os tucanos apostam em uma única bala: o tempo de televisão, dando superlativa importância às inserções ao longo da programação.
Numa campanha curta, esse tipo de instrumento parece se adequar bem à "desconstrução" de adversários. Críticas a Lula, PT e Bolsonaro são, no entanto, bastante conhecidas; difícil surpreender com alguma revelação. Mais: muito do que adversários chamam de defeitos, aos olhos de quem os apoia, pode se transformar indiferença ou virtudes. Esses eleitores parecem estar convictos.
Reforçar a rejeição à Bolsonaro e Haddad pode ter efeito no segundo turno, mas teria o alcance desejado no primeiro?
Ao mesmo tempo em que Alckmin se preocupa com seus mais fortes adversários à direita e à esquerda, não pode esquecer que também Marina Silva está à sua frente e pode tomar-lhe o centro. Já discuti aqui a vantagem que a candidata da Rede tem em relação ao tucano, em termos de amplitude (leia aqui).
Como a haste móvel de um compasso, Marina pode ocupar seu eixo fixo, onde paralisado encontra-se Alckmin, e estender o raio, chegando à centro-direita e à centro esquerda. Este último, território que os tucanos perderam ao longo dos anos.
Marina ganhou pontos nos últimos dias, o que talvez ainda não tenha sido captado pelas pesquisas. No debate da Rede TV, a ex-ministra encarou Bolsonaro, expondo o queixo de vidro do ex capitão, que é o eleitorado feminino. Mesmo não retirando votos do candidato do PSL, a candidata da Rede pode, com isso, atrair para si os eleitores que o rejeitam. Taticamente, a condição de anti Bolsonaro parece bastante promissora.
Ninguém possui a tal bola de cristal e definir já que vai ou não ao segundo turno ainda é precipitação tanto quanto correr num campo minado. Mas parece plausível imaginar uma chegada à fase decisiva em que o primeiro colocado tenha apenas uma pequena vantagem sobre o segundo; e o segundo uma diferença ainda menor em relação ao terceiro. Está começando a ficar emocionante.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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