À espera de novas batalhas
Política não é a luta de todos contra todos, apenas a luta de uns contra outros. Na defesa de seus interesses e visões de mundo e no ataque àquilo que desprezam ou consideram nocivo nos agrupamentos adversários, grupos ou campos políticos se enfrentam. Logo, a primeira disputa na política se dá "no campo" a que se pertence e não fora dele. O primeiro desafio é controlar o campo político, representando-o efetivamente.
Numa referência certamente antiquada, resiste a delimitação desses campos utilizando-se critérios amplos e vagos porém agregadores: esquerda, centro e direita. Termos supostamente correspondentes como "conservador" e "progressista" perdem em exatidão, pois há conservadores e progressistas de esquerda e direita. Reacionários e autoritários também nesses campos. O "centro", sobretudo, como agora, autoproclamado "democrático" torna-se pouco palpável.
Pois bem, foi na perspectiva de controlar seus respectivos campos que os principais candidatos à eleição presidencial deste ano foram à luta. E, na semana que passou, Geraldo Alckmin buscou consolidar suas divisões instaladas do "centro para a direita". Alckmin sabe que antes de enfrentar o candidato do petismo, terá que resolver a disputa no seu campo. E sem isto não irá adiante.
Seu desafio, então, é anular Álvaro Dias e Henrique Meirelles, que correm sua raia. Ao mesmo tempo, não dar chances de progressão à Marina Silva. Quanto à Jair Bolsonaro, sua estratégia é manter o ex capitão ao extremo do extremo da extrema direita, sugando-lhe o máximo possível das forças e dos eleitores.
Fez isto, primeiro ao atrair para sua coligação o PR, de Valdemar Costa Neto. Depois ao escolher a senadora Ana Amélia (PP-RS) como sua vice.
Pragmático e oportunista, Costa Neto poderia fornecer tempo de TV e um vice menos duro a Bolsonaro, levando-lhe em direção ao algo mais aproximado do centro — já que de centro mesmo Bolsonaro jamais será. Desconfia-se que, também ali, o dono do PR blefou ao oferecer Josué Gomes, o vice que não conseguiu entregar.
Já a parlamentar a senadora gaúcha é legítima representante do conservadorismo de seu estado; sua atração para chapa dos tucanos e do Centrão enfraquece Bolsonaro, que tem tido expressão eleitoral no sul do país, e o afasta de algo que se poderia chamar "direita esclarecida".
De fato, sozinho, a Bolsonaro restará 8 segundos no horário eleitoral e um vice pouco abrangente, como o general linha-dura, Hamilton Mourão. O ex capitão pregará somente aos seus convertidos — que não são poucos, mas limitados. Terá, provavelmente, uma relativa força no primeiro, mas pouco poder de ampliação num eventual segundo turno.
O PT não fez coisa diferente. Ao conquistar a neutralidade do PSB, em troca de apoio aos socialistas em Pernambuco, Lula decretou o isolamento de Ciro Gomes. Restarão a Ciro apenas algo em torno de 38 segundos de TV e uma vice, a senadora Kátia Abreu, de limitado diálogo com a esquerda. Soma pouco. Lula fez com que Ciro encolhesse a uma fração do que sonhara e muitos analistas supunham.
Desse modo, tucanos buscam ocupar o centro e a maior faixa do conservadorismo; ao mesmo tempo, o petismo tende a preservar controle que possuem sobre a esquerda. E, isto, em tese, levaria à manutenção da polarização dos últimos anos, onde, no limite, PT e PSDB dominam a cena e se encontram, a cada eleição, na disputa de segundo turno. O raciocínio lógico seria esse. Mas, todos os dias, contudo, a conjuntura do Brasil traz surpresas e a lógica tem vacilado, nesses anos recentes.
Aos 45 minutos do segundo tempo, o PT definiu que Fernando Haddad será o vice político de Lula; na verdade, o seu ungido pois assumirá o lugar do ex-presidente quando de sua esperada impugnação — sendo Manuela D'Ávila a vice formal, que constará nas urnas. Ao ex-prefeito há resistências na própria burocracia petista, mas a tendência é que a militância do partido, que já foi muito mais decisiva, o abrace durante a campanha.
Todavia, não há elementos capazes de fazer cravar o quanto Lula transferirá de suas intenções de voto a Haddad, tampouco se poderá dizer o quanto o ex-prefeito aliviará a imagem do PT após tantos traumas e escândalos; o quanto poderá diminuir na classe média do eleitorado urbano a rejeição que pesa sobre o partido. Há pesquisas a respeito feitas aqui e acolá, mas elas não são conclusivas. No Brasil de hoje, conclusivo mesmo só a eleição, quando chegar; e olhe lá se será mesmo…
Enfim, o segundo turno está naturalmente em aberto porque não faltam elementos a tumultuar o ambiente, de resto bastante anormal dos últimos anos. O que permite colocar em dúvida se os tradicionais instrumentos eleitorais, a começar pela TV, funcionarão como no passado, neste processo atípico: a racionalidade do eleitorado permanecerá a mesma? Somente o desenrolar dos fatos dirá. O certo é que a eleição entra na fase mais explícita dessas batalhas campais. E a primeira se dará em torno da impugnação da candidatura de Lula.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.