O salto de Geraldo Alckmin
É inegável. Geraldo Alckmin deu um salto e conseguiu afastar de si o fantasma da inviabilidade eleitoral, seu maior terror neste estágio de campanha. Ao atrair, ou ser adotado, pelo "Centrão", tomará posse de instrumentos que, até aqui, fizeram diferença nas eleições: extraordinário tempo de TV, parcela da máquina pública controlada por aqueles partidos, aparelhos políticos espalhados pelos rincões do país. Não é pouca coisa, ainda que não se possa afirmar suficiente.
Era previsível que, ao final, a base de Eduardo Cunha, que deu apoio ao impeachment de Dilma Rousseff e ao governo de Michel Temer, se aglutinaria em torno de um candidato. O pior seria a fragmentação. Coeso, o grupo permanecerá e, com algum sucesso na urnas, elegerá bancadas relevantes. O que lhe permitirá controlar maiorias na Câmara e no Senado. Com a presidência nas duas casas, como rapidamente captou colunista da Folha de S. Paulo, exercerá formidável poder de tutela sobre o próximo governo.
Mesmo não sendo um sonho de candidato e empacado em modestos números nas pesquisas, Alckmin é previsível e aglutina muito mais do que Ciro Gomes o faria; mais ainda do que Jair Bolsonaro ou a qualquer candidato do PT. Low profile, ou de "baixo impacto" numa tradução livre, o tucano não compromete, pois não chama a grandes demonstrações de repúdio ou paixão. Meio-termo, se não desperta amor, não chega a muito gerar asco. Não comprometerá palanques regionais.
Mas, coalizão tem preço. Sintomático que tenha cabido a Valdemar Costa Neto bater o martelo da união. Mais que pragmático, o presidente do PR tem olhos no futuro de interesses específicos de seu agrupamento, nem sempre coincidentes com os do país. Por mais que neguem candidato e aliados, a cola da aliança será a goma do fisiologismo. Discursos republicanos que tucanos ilustrados tiveram, um dia, desaparecerão como lágrimas na chuva.
Sim, sempre haverá o argumento de que "é preciso governar, o que requer maioria". Que "os outros [candidatos] também os procuraram". E assim, ar professoral — ou antes, de médico de província —, pausando sílabas, esticando lábios e excitando músculos da face de zigomas salientes, o ex-governador, mais realista que rei, dirá: "É//O//PRE-SI-DEN-CI-A-LIS-MO//DE//CO-A-LI-ZÃO", como se além do rótulo revelasse algo naturalmente justificável.
Com efeito, a formação de maioria é requisito em qualquer lugar do mundo. Mas, por aqui, adquiriu a lógica particular do "é dando que se recebe"; uma arquitetura forjada o exercício perpétuo de uma prática de vícios. E, também com sílabas separadas e bem definidas, a isto se dá o nome de "Ca-pi-tu-la-ção". Não é exclusividade dos tucanos, como não era de petistas ou do MDB.
Mais rápido do que se imaginava, os custos aparecem. O primeiro foi arreglar para Paulinho da Força, retroagindo na questão do imposto sindical — típico acordo que será pago por quem não o fez. O segundo é, à parte do bônus do tempo de TV, carregar o ônus do governo tóxico, de Michel Temer. Mesmo que Henrique Meirelles mantenha a candidatura, não há mais biombo entre Temer e os tucanos.
Por fim, o constrangimento de ser preterido por Josué Gomes, o vice que foi sem nunca ter sido. "Não tenho medo da morte; tenho medo da desonra", disse certa vez José de Alencar. Sibilaram nos ouvidos do filho os temores do pai? O fato é que uma chapa eleitoral que não consegue ser confiável dificilmente será, eleita, um governo crível.
Com o acordo, tucanos mais exaltados passaram a bater forte no bumbo: precipitadamente, anunciam o novo presidente. Tudo pode ser, inclusive exagero: tempo de televisão é importante, mas, não significa votos automaticamente. Os partidos que apoiam Alckmin são cartórios políticos, mas não controlam eleitores.
Ademais, na hecatombe política dos últimos anos, nem se sabe se a TV terá a mesma importância do passado. Os constantes choques políticos podem ter anulado a relevância que esses instrumentos eleitorais tradicionais já tiveram. E tudo o que parece sólido arrisca-se a desmanchar no ar da campanha eleitoral. Ou a desaparecer "como lágrimas na chuva". Segue o jogo.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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