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Blog do Carlos Melo

O que está em jogo nos processos contra Temer

Carlos Melo

30/03/2018 10h08

Mateus Bonomi/Folhapress

Sem o afastamento de Dilma Rousseff, Michel Temer não figuraria na história política do Brasil. Passaria despercebido ou, no máximo, receberia uma nota de rodapé, como o vice que o presidencialismo de coalizão hiperfisiológica é capaz de forjar. Em toda sua vida política, Temer não fora nada mais que um articulador dos interesses do baixo clero da Câmara dos Deputados. Foi feito presidente do PMDB pelo mérito de, nas condições daquele partido, não ser incômodo, sujeitando-se à nulidade necessária.

Mas, quis o destino que a crise o colocasse no centro da conspiração para remover a presidente que perdera a confiança da economia e a credibilidade junto ao eleitor; que já não sustentara o apoio de meras 171 almas da Câmara. Quis a sorte que fosse o homem incerto daquela hora incerta, que fosse o atalho institucional que se armara no caminho, que fosse a alternativa que restava, nos parâmetros da Constituição.

Muitos acreditaram que presidente pudesse se superar. E muitos se enganaram, creditando-lhe qualidades que não possuía e não possuiria jamais. Imaginou-se que por seu caminho se construiria ponte ou pinguela para o futuro, sem reconhecer que as escolhas da estrada delineiam uma trajetória viciante que impulsiona novas escolhas dentro do mesmo quadro e da mesma realidade.

Histórias de superação pessoal e reinvenção de si mesmo são raríssimas. E não haveria essa raridade de repousar justamente sobre Michel Temer e seu grupo. Não foi ponte, nem pinguela. Foi beco sem saída.

Além disso, as condições gerais da política brasileira não permitiriam a elevação moral do país e a fuga do labirinto feitas pelas mãos de um homem só. Por mais talhado que fosse o escolhido — e não era o caso — seria e ainda é esforço e desafio para gerações. Sobretudo, se o homem e seu estilo estivessem comprometidos pela própria degeneração que os alçara ao poder, seria fogo-fátuo. Nada mais.

Causa constrangimento — vergonha alheia, na verdade — ouvir presidente e seus maruns reclamando a si e ao governo ares de reforma e modernidade. A economia que Michel Temer afirma ter colocado de volta ao eixo — o que, em si, é uma afirmação controversa — mais foi obra de se remover a teimosia errática metodológica de Dilma do que da visão de futuro do novo presidente.

Fazê-lo por meio de interposta equipe econômica, qualificada e crível, não foi escolha sua. Foi, antes, condição e pacto para aceitação de seu nome pelas forças de mercado. Apresentar melhor desempenho do que obteve Dilma, convenhamos, não seria tarefa do outro mundo. Medidas importantes foram aprovadas outras ficaram pelo caminho. As primeiras e as segundas, ambas, por imposição da realidade. No tempo político possível, nas condições e liderança que se possui.

A tal habilidade de Temer serviu, antes, para salvar a própria pele e delongar, o quanto pudesse, a sobrevivência do sistema. Michel Temer pertence mais ao Brasil que se quer superar do que ao país do futuro que se anseia. Creditar os reveses que vem sofrendo na política e na Justiça a temores e interesses contrariados com sua improvável reeleição só não é brincadeira porque é mesmo sacanagem.

Uma tangente discursiva para quem já é incapaz de explicar o que se passa com o presidente porque simplesmente é, politicamente, impossível admitir o que de fato se passa. A Justiça julgará, mas encontros à noite, frases cifradas, malas viajantes, assessores comprometidos e amigos suspeitos não são bons cartões de visita para ninguém. Basta olhos para ver. Armação, golpe — como, aliás, disse Lula? Haja inocência ou má-fé para acreditar nisso.

Assim, processos contra o presidente e seus amigos são tentativas de remoção de um tipo de entulho que criou limbo, que ferrou raízes no solo que resistem ao puxar da história. Não apenas esses. Os que atingem próceres do PT e do PSDB, partidos menores e associados, também. São tentativas antissistema — contra o "mecanismo", se preferirem. São embates entre o novo que custa parir e o velho agonizante que recusa abandonar o catre que já é seu leito de morte.

Afirmar que são medidas antipolítica diz pouco, quase nada. Novamente, pode ser tergiversação, inocência ou má-fé. Embora, seja evidente que há por aí um grande sentimento contrário à política; que há muita confusão de entendimento sobre o que, afinal, vem a ser a Política, cujo sentido é preciso resgatar. É óbvio que existem por aí oportunistas de todo tipo.

Mas, por outro lado, admitir que a Política se resume à miséria que está posta é entregar ao abandono qualquer esperança de futuro. É elevar toda essa gente comprometida, de dentro e fora do governo, da situação à oposição, ao status que lhes interessa: "nulidades que imaginam ter atingido um nível de civilização nunca antes alcançado", como apontou Max Weber citando o poeta Goethe. Imaginam, mas não alcançaram.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.