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Blog do Carlos Melo

O vazio que precede Huck permanecerá

Carlos Melo

15/02/2018 20h39

Imagem: Eduardo Vessoni/UOL

Com o perdão da redundância, tudo indica que nesta sexta Luciano Huck dará a última "última palavra" a respeito da candidatura presidencial, desistindo, por fim, de concorrer. Ao que consta, na balança pesaram mais as questões pessoais — profissionais e familiares. Ninguém pode condená-lo por isso. Pior seria se, ao contrário, aceitasse disputar o maior cargo da política nacional justamente por questões pessoais, profissionais e familiares.

É irônico assistir às primeiras manifestações a respeito de sua desistência. À direita e à esquerda, os que até ontem o desqualificavam como candidato — chamando-o de oportunista —, agora o criticam pela falta de desprendimento e pela indisposição a renunciar ao emprego e aos interesses da família. De fato, no Brasil atual, nem os cobradores da coerência alheia são coerentes. É o espírito do tempo.

Mas, carregava, sim, alguma plausibilidade o cenário que considerava o nome de Huck como um aglutinador do autodenominado centro democrático. De fato, esse setor é hoje um campo fragmentado, repleto de feridos, com candidaturas que até aqui não conseguem decolar. Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles, Rodrigo Maia, João Doria e até Michel Temer pleiteiam espaço, mas, de acordo com as pesquisas, patinam em números risíveis diante da visibilidade que possuem.

Além disso, dado seu perfil popular e a prática assistencialista de seu programa de TV, também não seria descabido imaginar que Huck, a partir do centro, pudesse se expandir em direção a eleitores menos ideológicos, do ex-presidente Lula e do deputado Jair Bolsonaro. A história, ao que tudo indica, não terá oportunidade de provar, mas pesquisas de opinião registravam esse potencial na candidatura de Huck.

Como escrevi nesta mesma semana em artigo publicado pelo Estadão (leia aqui), a existência da candidatura não reside na figura do apresentador da TV Globo, mas na realidade política nacional. No vazio que se estabeleceu em virtude de tantos escândalos, da decepção com a política profissional, do luto com a morte simbólica de tantos personagens. A retirada de Huck não será a causa desse vazio. Na verdade, o vazio o precede.

O fato é que existe um enorme buraco no sistema político nacional. Um desalento e uma repugnância muito grandes com partidos e lideranças, um extraordinário pessimismo em relação à renovação política que urge. A decepção e o desprezo ao velho que agoniza, mas que não permite ao novo que nasça desse parto encruado há anos.

Nada garante que a presença de Luciano Huck nas urnas eletrônicas de outubro pudesse reverter esse sentimento. Contudo, não será tampouco o paradoxo de sua ausência que preencherá a lacuna. O vazio persistirá e as condições para a emergência de um outsider continuarão postas. E mesmo à direita e à esquerda elas já se manifestam na viabilização de Jair Bolsonaro e na busca de um plano B que supra o impedimento de Lula.

O espaço para outsider continua em aberto, mas nem por isso está garantido que o outsider de fato surgirá, de repente, no horizonte. O outsider, ex-ante, não tem rosto; tem apenas perfil: vir de fora, não pertencer a nenhum time desses que digladiam entre si; expressar ou parecer expressar a ruptura e o novo. Ser conhecido e rapidamente assimilável como candidato. Por fim, numa ambiguidade sob medida, diminuir a insegurança das elites e tocar o coração das massas.

E é sempre provável do vazio nasça, além das ilusões, também a frustração, logo exposta pela realidade e pela decepção com a impossibilidade de atender às esperanças e superar as expectativas. O Brasil conhece tempos assim. Se deu como tragédia, em 1960-61, com Jânio Quadros; e como farsa, em 1989-92, com Fernando Collor de Mello.

O vazio, enfim, continuará e, sem Huck ou outro outsider qualquer, ficará como desafio aos candidatos conhecidos, que buscarão ocupa-lo como se outsiders fossem, como se não tivessem qualquer responsabilidade com "tudo o que está aí".  Surgirão profetas assim.

Mas, ele, o vazio permanecerá e deve mesmo ultrapassar a eleição, persistindo até, pelo menos, os primeiros meses de 2019 se tudo, estranhamente, correr bem e der muito — mas muito — certo. Nos últimos tempos, as coisas darem certo no Brasil é o que tem sido menos provável.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

 

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.