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Blog do Carlos Melo

Não há Joãozinho Trinta que supere a realidade do Brasil

Carlos Melo

13/02/2018 22h08

Baixo Augusta: bloco levou 150 mil foliões às ruas.

Nem sob o reino de Momo a política brasileira dá um tempo na vergonha alheia que desperta. Não relaxa. Batalha no sistemático esforço de tornar o ruim pior. Desta vez, foi o diretor-geral da Policia Federal que atravessou o desafinado samba-enredo do governo. No abre-alas na sexta-feira, mostrou que não há Joãozinho Trinta que supere a realidade.

Nomeado pelo presidente da República, com o aval de José Sarney — ambos implicados em processos investigados pela própria PF —, Fernando Segovia assumiu o cargo sob suspeição. Para que pudesse superar as naturais desconfianças oriundas da indicação, não deveria ser apenas isento, mas parecer, de fato, isento.

Contudo, desde sua posse, o diretor-geral da PF comporta-se como diretor de escola de samba, durante a apuração. Na Comissão de Frente do temerismo, parece exibir-se para as arquibancadas cantando o refrão dissimulado da "Unidos do Vai Acabar em Pizza".

Desta vez, foram declarações que, no mínimo, deram margem à interpretação de que a PF arquivaria investigação contra Michel Temer, num caso de favorecimento à empresa Rodrimar, na regulamentação dos portos brasileiros.

Policiais Federais são treinados para não dar margem a nada; devem ser objetivos, diretos, secos. Não se pronunciam. Não devem e não podem se pronunciar, sobretudo, a respeito de inquéritos que não dirigem.

Qual o objetivo de adiantar resultados de um processo que o diretor-geral sequer deveria conhecer?

Segundo o que a imprensa veio a revelar, o propósito da entrevista seria tornar pública a hipótese de afastamento do delegado responsável pelo inquérito, Cleyber Lopes, que andou dando sufoco em Michel Temer, fazendo-lhe perguntas indiscretas. Fato exposto, fato consumado, investigação desarticulada — foi assim que se interpretou. "Mais uma flecha saindo pela culatra", segundo Carlos Marun.

Acontece que Polícia Federal é instrumento de Estado, seu diretor não pode dar-se ao papel de despachante do governante. A manobra foi frustrada por que Luís Roberto Barroso, o responsável pelo caso no STF, já no sábado de Carnaval, observava a evolução da escola na avenida e pressentiu o truque na harmonia. Segovia terá que se explicar.

O governo de fato não para, produz fiascos até mesmo nas horas de folga. "Carnaval desengano (…) Quarta-feira sempre desce o pano".

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Mesmo que a maioria das pessoas não saia às ruas e avenidas, blocos de Carnaval e escolas de samba parecem representar a sociedade mais e melhor que partidos e políticos. As multidões brincam, bebem, sambam irmanadas; governos e supostas lideranças vão morar no esquecimento. Veste-se fantasia. No espelho, o povo se vê mais bonito do que seu (?) sistema político. E, de fato, é.

Nos últimos tempos, tantas e tão indisfarçáveis foram as lambanças da política que os escândalos se tornaram banais. Repetitivo, Segovia não foi original; e nem ser pego em contradição já causa espanto. O diretor da PF mantém o nível da maioria do governo a que pertence — embora sua lealdade devesse se voltar para o Estado.

E assim, o Carnaval se presta à irreverência despretensiosa. Na TV, se viu o sistema político achincalhado em sátiras de blocos e enredos de escolas de samba. Intimamente, a audiência vibra — mesmo sabendo que há muita escola suspeita por aí.

Nas ruas e avenidas, a crítica e o sarcasmo carnavalescos não mais têm perspectiva de corrigir "essa maravilha de cenário". A gafe de Segovia não é " episódio relicário". É só comum e demonstra que "acabou nosso Carnaval". Realmente, "quarta-feira sempre desce o pano" ("e, no entanto, é preciso cantar").

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

 

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.