2018 começará mais realista
No início de 2017, economistas e agentes de mercado transpiravam, digamos assim, "otimismo" com as perspectivas que tinham do país. Após o impeachment, o presidente Temer, supostamente, assumira o controle da situação econômica e política que degringolara sob Dilma Rousseff; dizia-se que retirara o Brasil de uma curva acedente, cuja perspectiva era de caos.
Lembro-me de ter participado de um debate, no Rio de Janeiro, no início do ano: eu, sinceramente, não compartilhava de tanta fé; reconhecia a desgraça forjada pelos equívocos de Dilma, mas alertava que um impeachment não é algo corriqueiro, deixa marcas; que o governo tinha problemas. Que, além disso, o sistema político colapsara; precisaria de muita liderança para colocá-lo em OUTRO e necessário eixo. Não enxergava isto naquele contexto.
Naturalmente, tomei uma bela espinafrada de um dos laureados economistas presentes na plateia. Ele irritara-se com meu "'pessimismo' em relação ao governo que mais reformas fez na história do Brasil", dizia. Acreditava que, com Michel Temer, o país superara o precipício e as reformas que, então, viriam por gravidade; o sistema político, aliás, estaria constrangido a faze-las.
Em resposta, apenas argumentei que "otimismo" e "pessimismo" não são categorias de análise. A questão mais importante seria verificar se minhas premissas estavam corretas ou não. Uma vez incorretas, antes de "pessimista", eu estaria errado. E ponto. Mas, entendo o raciocínio que sustentava a irritação.
Com efeito, Dilma Rousseff trocara os pés pelas mãos: na apertada vitória eleitoral que tivera, não reconhecera a derrota política e o teor das críticas econômicas que sofrera. Em seus discursos de vitória e de pose, sequer mencionou os adversários; um erro crasso.
Do alto de um orgulho pueril, a presidente reeleita centralizava decisões, não unificava o país dividido, nem sinalizava para necessárias alterações de rota impostas pelas crises — política e econômica — que lhe batiam à porta. Externava a convicção típica daqueles que ignoram a realidade.
Dilma convocou Joaquim Levy para o ministério da Fazenda por acreditar-se capaz de operar na ambiguidade, habilidade dos políticos muito experientes: a cada espaço admitido a Levy, permitia que seus antagonistas internos o desautorizassem para além do próprio governo.
Imaginou que seria invulnerável, que as urnas bastariam para pairar sobre contradições inconciliáveis. E ensina a história que as urnas nunca bastam…
No campo da política parlamentar, permitiu-se lutar contra Eduardo Cunha em pleno mar aberto, sem perceber que sua suposta esquadra — a base que julgava possuir — bandeara-se para armada do inimigo. Rapidamente, foi envolvida pela agenda negativa que permitiu crescer em seu quintal. Deu no que deu — para Dilma e para Cunha.
Filho da lógica do baixo clero, Michel Temer se notabilizou por compreender a linguagem daquilo a que o Parlamento, ao longo dos anos, se tornou. Melhor que Dilma, sabia sua força e seus limites. Rapidamente aglutinou maioria a seu favor. Distribuiu o espólio de recursos deixado pelo PT, expulso do governo; alegrou antigos e novos aliados. Mais uma vez, apostou no "é dando que se recebe".
Ao mesmo tempo, reuniu um corpo econômico qualificado, apresentou e provou medidas de impacto, cujo maior símbolo foi o teto dos gatos públicos. Fechou 2016 em euforia e, precocemente, exibiu o sorriso dos triunfantes. Foi neste ponto que começou 2017.
Escrevi exaustivamente neste mesmo espaço as razões que me levavam a não compartilhar do "otimismo" do início deste ano. Na verdade, confiei nas premissas de que partia. Muitos colegas não enxergaram a realidade do mesmo modo. Estão no seu direito.
Mas, nenhuma das minhas premissas parte de razões de ordem pessoal: trato o governo — e qualquer governo — como "coisa", um objeto a analisar. Olho para o cardápio e verifico "o que se tem para hoje". Há muito tempo, deixei de comer nesse tipo de restaurante. Só isso.
Se não posso afirmar que o presidente e seu governo que me agradam, tampouco poderia dizer que seus antecessores me retiravam suspiros. Pelo contrário. Basta ler o que produzi ao longo dos anos. Sou uma espécie de açougueiro que enjoou de carne. Verificando as fibras do sistema, percebe-se a deterioração; mais cedo ou mais tarde, trará problemas a quem o consome.
O fato é que o governo Temer, cuja equipe econômica logrou, sim, alguns avanços no ano passado e ao longo deste, não apenas se recusou a alterar a lógica fisiológica do atual parlamento, como a aprofundou. Raspava do tacho restos do que já se esgotara.
E não o fez apenas por necessidade, mas também por adesão incondicional — como um padrão mental, mesmo — ao funcionamento do sistema; atavismo, típico dos que acreditam que algo deva ser de determinado modo apenas porque sempre foi assim.
Mas, estava claro que o sistema cobraria taxas crescentes de fisiologismo para entregar o que o governo lhe pedia. E, como se sabe, o que o governo lhe pediu foi cada vez mais dramático; elevando os riscos, aumentava os "prêmios". Não importa se a banca pode ou não quebrar.
Mas, enfim, os "otimistas" do início de 2017, acreditavam que o modus operandi que se observava e ainda se observa seria absolutamente normal: "desde que o mundo, é mundo a política é assim"; tudo seria, portanto muito natural; o sistema viria por gravidade.
Pode até ser que, a preços sempre crescentes, o governo em 2018, consiga aprovar a necessária reforma na Previdência. Nada é impossível em política e o jogo está longe de acabar; a chama queima até a última tonelada de carvão fóssil. Mas, ao mesmo tempo, nada é muito simples. E assim, o "otimista" de 2017 termina melancólico, porém muito mais realista.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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