Objetivos políticos da reforma da Previdência
As articulações de Michel Temer e companhia para aprovação da Reforma da Previdência rodeia o noticiário político e a vida econômica de todos. Após vacilo do próprio presidente da República, o governo percebeu que entregar os pontos da Reforma seria decretar o próprio fim. Para que mais serviria um governo como o de Michel Temer?
Subitamente, no entanto, a entourage do presidente enxergou na hipótese da aprovação da reforma o seu novo despertar; o ressurgir das cinzas das denúncias do Ministério Público e até sonhar com uma candidatura presidencial, quiçá, com o próprio Temer, ressuscitado como "grande reformador". Seria como se a reforma, no limiar da cripta do ostracismo de Temer pudesse gritar: Michel, levanta-te e anda!
Faz todo sentido, na situação em que o governo se encontrava, logo após Temer quase jogar a toalha da reforma, o caminho para o governo seria — e é — mesmo o tudo ou nada. Além disso, é evidente que alguma reforma é, de fato, necessária: ao longo dos anos, transformações demográficas estruturais colocaram o sistema previdenciário, como está, em xeque.
Além disso, no Brasil, a distribuição de riqueza, por meio da previdência, é desigual e injusta: um monumento ao poder e aos privilégios corporativos. Nesse sentido, talvez tardiamente, o governo mudou o foco de sua ação. Se antes corria do enfrentamento com o funcionalismo, hoje faz um embate necessário, talvez por não lhe sobrar alternativa. Aliás, aqui cabe um parêntese indigesto:
(Nesse sentido, o noticiário do embate pela reforma talvez falhe em não mostrar os bastidores da reação a ela: como estariam se comportando os lobbies de juízes, promotores, agentes da receita e professores universitários, por exemplo, na defesa de seus interesses e na pressão a parlamentares? Será que assimilaram os inevitáveis custos da mudança ou, naturalmente, se mobilizam na defesa do que consideram seus direitos? Mas, esta é outra questão. Voltemos ao campo das considerações fiscais.)
Todavia, são inúmeras as evidências de que o próprio esforço pela reforma denuncia o pouco apego a questões fiscais e de justiça social: concessões fiscais feitas, em nome da reforma comprometem-lhe o sentido e os próprios motivos para faze-la. Os números estão nas primeiras páginas dos jornais (aqui). O país chegará, ao final, ao ponto de se perguntar qual o custo e não o ganho fiscal da reforma da previdência? O processo ainda está em andamento. São as tais negociações, nunca muito transparentes.
Isto sem considerar a natureza da reforma ministerial, em curso, feita em nome da aprovação da reforma previdenciária. O loteamento do ministério das Cidades, em várias facções da base, revela que o motor da reforma não é necessariamente reformista — por mais que pareça uma contradição em termos —; é fisiológico. Basta verificar a guerra, na base, em torno das secretarias de Saneamento e Habitação, as que trazem maiores retornos os políticos e partidos que as ocuparem.
Paradoxos?
Não. Se o esforço fiscal perseguido pela reforma custa tolerância e mais gastos fiscais, mitigando os resultados pretendidos, é porque os objetivos, últimos e mais recônditos da reforma, não são verdadeiramente fiscais. São políticos: produzir símbolos, na ânsia de o governo mostrar que ainda está vivo. Tem lógica.
Sob vários aspectos, a reforma é necessária. Mas, seria o caso de se perguntar se ela está sendo feita em nome da racionalidade econômica anunciada ou se seus motivos se resumirão aos objetivos políticos. Há grande diferença entre um e outro, não apenas em relação à qualidade da reforma — e da transparência democrática — mas também em relação a seus efeitos de longo prazo; políticos e econômicos.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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