O Rio e o Brasil
Evidente que será da Justiça a última palavra, mas o caso do Rio de Janeiro parece mesmo dispensar palavras. Escancarou-se a crua realidade: um esquema de poder que implica na aliança entre a política, a alta burocracia estatal e empresários sob a convivência de órgãos de controle. Isto, sem considerar a possibilidade de conexões com o crime comum e o tráfico de drogas — além da plausibilidade do conluio com setores da própria Justiça.
O Estado foi privatizado por grupos de interesse que submetem a sociedade pela força, mas também como efeito de seu próprio voto nas eleições em que repetidas vezes escolhe os mesmos governantes e representantes. Alienada do processo, a sociedade é ignorante do mal que lhe fazem; consciente, é cumplice. O ciclo não é apenas vicioso; é também alucinante.
O problema é que isto não é novo e nem se limita ao Rio; parece mesmo fazer parte da história e se dar nos mais diversos quadrantes do Brasil. O rio corre para o mar.
Em tese, Assembleias Legislativas serviriam para fiscalizar e controlar Executivos locais; vigiar governadores limitando-lhes o poder, tornando a gestão mais transparente, democrática, eficiente. Mas, ao fim, pela força do fisiologismo, elas são submetidas ao Executivo: por meio da distribuição de cargos e liberação de recursos do orçamento, maiorias parlamentares estaduais concedem aos governos liberdade quase plena.
Mas, é claro que esse processo não é tão simples assim: a distribuição de cargos não é simples merreca, amendoins que se dá aos elefantes. Trata-se de compartilhamento de poder; lideranças do Legislativo tornam-se uma espécie de governadores adjuntos, no controle do estado; sócios em esquemas de arrecadação.
Há pouco, quase nenhum, interesse da mídia, sobre esses parlamentos estaduais e sua dinâmica política; difícil lembrar o nome de meia-dúzia de deputados estaduais. Os grandes jornais nacionais, voltam-se, naturalmente, para o jogo federal — que tampouco se diferencia muito disto.
Desnecessário falar do que acontece em Brasília, capital do país; todos têm acompanhado: de certo modo, Eduardo Cunha e Jorge Picciani são genéricos um do outro; parecem possuir o mesmo princípio ativo e guardam relação como equivalentes nacional e estadual. Quantos mais não haverão?
O certo é que, além de fortuna pessoal, a partir de sua ação, criam magníficas máquinas eleitorais, capazes de eleger parlamentares em todos os níveis — o que não se dirá quando se abrir a tampa das Câmaras de Vereadores? — e, em virtude da relevância e tamanho de suas bancadas, acabam por contar decisivamente no jogo dos poderes Executivos estadual e nacional.
Quando me pergunto para que servem as Assembleias Legislativa, temo um dia concluir que servem apenas para isso. Obviamente, há exceções: nem todos os parlamentares estudais sucumbem ou limitam-se a este processo; assim como existem aqui e acolá relações republicanas entre governos estaduais e os legislativos locais. Mas, a dinâmica do Rio de Janeiro guarda traços típicos do que tem sido a política país a fora.
Como se comportarão os pares de Jorge Picciani? A lógica corporativa é muito forte; só mesmo a pressão social que coagiu a Câmara Federal em relação a Eduardo Cunha é que poderá quebrar seus vínculos. No mais, a última palavra é sempre da Justiça. O problema será se também aí o esquema vier a ter abrigo e moradia.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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