O caminho do governo e o pó da estrada
A depender do entendimento de política, pode-se aceitar como um determinado tipo de política os caminhos que o governo Temer tem percorrido. Seus cúmplices, apoiadores e torcedores traçam uma rodovia para chegar a 2018; ok, há alguma estratégia. Mas omitem todo o pó da estrada que o país ainda terá que engolir para fazer sua travessia para além da eleição.
O presidente é fraco e impopular; não tem carisma, é omisso e comete erros primários. Todavia, o grupo que o rodeia — o PMDB, o Centrão e parte do PSDB —, mais que vivo, se articula; calibra bússolas e define sua direção com vistas ao próprio futuro. Mesmo desgastado, opera o cenário de 2018: não quer ser o José Sarney, de 1989.
Conta com a possibilidade de apresentar um candidato que o represente, sendo competitivo; vencendo ou não a disputa, mas com relevância no jogo de composição da eleição de dois turnos. Para, ao final, dar abrigo aos principais personagens da atual coligação, protegendo-os de riscos jurídicos ainda tangíveis e visíveis no horizonte.
É desse modo que aposta na recuperação econômica: bate o bumbo, com as expectativas de crescimento significativo no ano eleitoral; diz-se o mais reformista da história, ressalta a economia e esconda a política. Ainda assim, com efeito, é preciso reconhecer que, somadas, pequenas alterações já aprovadas implicam em transformação importante para o ambiente de negócios.
Houve, sim, iniciativas que já incentivam alguma confiança econômica ou pelo menos descomplicam o emaranhado legal para investimentos no país. E mesmo uma pequena reforma da Previdência, seja no valor e ao custo que for, terá sentido simbólico para o governo capitalizar apoios e mostrar que ainda pulsa. Mesmo que mantenha intacta e se valha de estruturas velhas e carcomidas do sistema político.
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Analistas econômicos independentes projetam crescimento do Produto Interno em torno de 3,5%, em 2018. Não é certeza, mas será significativo, sobretudo, comparado aos últimos anos. E não haveria governo que alardeasse isto. Numa palestra, ouvi do ministro da Fazenda, como só poderia ser, uma análise positiva do processo.
Ainda assim, Henrique Meirelles deixou escapar que grande parte do crescimento contratado se dará em função da capacidade ociosa, já instalada, da economia, além de incentivos ao consumo. A conclusão é minha: não se pode falar em aumento de produtividade ou da remoção de gargalos estruturais que dariam longevidade de voo, para além do salto da galinha — uma quimera hoje, diante da resignação geral.
O processo é de recuperação e é razoável minimizar seus efeitos políticos. A melhora será sentida, mas, sem ilusões, ficará distante do bem-estar percebido em anos recentes, como 2010. Não se pode imaginar o desemprego despencando. E, quando se sabe que no último ano o número de motoristas no Uber saltou de 50 mil para mais de 500 mil, compreende-se a precarização que ronda a tal retomada. O sujeito sai da estatística, mas a vida continua dura. Há sinais de melhora, mas nada para o eleitor sair às ruas comemorando o Plano Real ou o Plano Cruzado.
Imagino que o país haveria de engolir muito pó de estrada para voltar à euforia de 2010 — se é que voltará um dia. A sustentabilidade política do crescimento não foi discutida lá e tampouco é aqui. Não se admite que a mentalidade e os métodos de condução do processo estão esgotados. Sua preservação e renovação, pelo caminho governista, tende a resultar em pouco avanço; mesmo na economia. Mudanças estruturais, mais profundas, no entanto, ainda são imprescindíveis.
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O bloco governista conta com a melhora do cenário econômico como a única bala na agulha. Despreza — ou prefere esconder — questões fundamentais no campo da política: a ética, a funcionalidade de um sistema exclusivamente fisiológico; um país desconcertado, dividido em agrupamentos indispostos ao diálogo, a crise das políticas públicas, principalmente na Segurança dos centros urbanos; o potencial de caos político e social. Não leva em conta esse caldeirão.
Os limitados caminhos do governismo parecem pouco para estabelecer paz e previsibilidade de longo prazo. Mesmo na oposição não se fala do pó da estrada que o país há de engolir. Os atalhos resolvem — ou simplesmente adiam — questões que afligem o próprio sistema; ainda que mitiguem, circunstancialmente, efeitos da crise econômica. O desconcerto geral ainda está no caminho; nada é mais urgente que o pó da estrada.
(Para Sá, Rodrix & Guarabira, que fizeram uma linda canção sobre "O Pó da Estrada").
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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