Politicamente, o governo já acabou
Segurança Pública, Economia, Direitos Humanos são obrigações fundamentais do Estado Moderno. Qualquer governo que se preze, em qualquer lugar do planeta assumirá essas atribuições. No presidencialismo, o Presidente da República, no limite, será o responsável por elas. É isso; nem se trata de uma elaboração sofisticada. É básico e está em qualquer manual de política, do ensino médio.
Pois, na semana que passou, o presidente Michel Temer foi atropelado por seus ministros nessas três áreas; e não houve de sua excelência a mínima expressão de autoridade. O silêncio de um enorme vazio político se fez ouvir. O governo está fragmentado em cacos; desconexo, ninguém para aglutinar. Depende da ação independente de suas partes, não mais de um todo. A tendência é que permaneça assim até o final.
Os casos são conhecidos, mas vale resgatá-los em linhas gerais: primeiro, foi o ministro da Justiça, Torquato Jardim, que admitiu ao repórter Josias de Souza (aqui) que, no Rio de Janeiro, polícia, políticos e criminosos compõem um mesmo sistema: "os comandantes de batalhão são sócios do crime organizado, no Rio". Depois, surgiu a ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, a se declarar, praticamente, na condição de trabalho escravo, por receber "apenas" R$ 33,7 mil, uma vez que para exercer o cargo não pode acumular seus vencimentos de desembargadora aposentada (aqui).
Por fim, Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, tomando-se por uma espécie de fiador do atual governo — no limite, o responsável pela recuperação econômica do país —, assumiu a condição de presidenciável (aqui), colocando-se, pois, acima do atual presidente da República, em tese o seu chefe, e esvaziando de vez o último ano de mandato de Michel Temer. Todos os casos são gravíssimos e não há como dourar pílulas.
Não importa se as afirmações de Torquato Jardim são realmente verdadeiras — e é possível que sejam; o filme "Tropa de Elite 2" é antigo e está longe de ser uma obra de ficção —, o mais grave é que pareçam de fato verdadeiras. E pior, que não se limitem apenas ao estado do Rio de Janeiro.
O que a segunda maior autoridade do país, na área — está abaixo apenas do presidente da República —, diz é que a Segurança Pública não mais existe. Ou se existe, depende de acertos entre grupos criminosos. Assumidas pelo valor de face, as declarações do ministro indicam que a República acabou, no Brasil. O que disse Michel Temer a respeito?
A atitude de Luislinda Valois, ministra que entrou na cota dos tucanos — mais essa! — não poderia ser pior no mérito e no momento. No mérito, porque, infelizmente, parece não compreender o que foi, de fato, escravidão; desconhecer um regime desumano, ela ministra dos "Direitos Humanos", que vigorou no pais por quase quatro séculos, cujos efeitos ainda não foram superados. Os argumentos da ministra são risíveis; o ridículo é mesmo um lugar de onde ninguém volta.
Para piorar a situação do presidente, a manifestação de Luislinda se deu no momento em que o governo Temer é acusado de ter afrouxado a legislação que pune casos de trabalhos análogos à escravidão, para atender a bancada ruralista que lhe daria importantes e fundamentais votos para o arquivamento do pedido de seu afastamento. Um desastre político.
Bem, Meirelles grita o óbvio e derruba o pano que encobria a mais crua verdade: na economia, não é o presidente quem governa. Aliás, seu governo é, antes, um agravante para a economia: as concessões em nome da salvação da própria pele que faz ao Congresso Nacional e a grupos corporativos são um atraso real e ponderável para o processo econômico.
Independente das virtudes de Henrique Meirelles e da lógica de sua equipe, o fato é que ele e seus colaboradores são a verdadeira força motriz do governo. O presidente da República e o PMDB em coalizão com um sistema disfuncional são como bolas de ferro amarradas aos pés de alguém que tentar voltar a caminhar.
Michel Temer é, na verdade, um custo; não um ativo. Inevitável na visão de muitos, mas mesmo assim um custo.
Os três casos revelam o governo governado pelos fatos, pela descoordenação política e pela fragilidade de seus dirigentes. Apontam que, daqui ao final, tudo o que se fizer será mais pela dinâmica da economia e da sociedade do que pela ação organizada de um corpo dirigente uno e coeso. Não vê quem não quer: politicamente, o governo já era. Pobres dos que precisam defende-lo.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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