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Blog do Carlos Melo

Falácias livraram a pele de Aécio e livrarão a cara de Temer

Carlos Melo

17/10/2017 19h39

Foto: Beto Barata / PR

Michel Temer e Aécio Neves vivem semana de calvário. Na berlinda: um, na Câmara; outro, no Senado. Ambos, na sociedade. Dada a blindagem corporativa e fisiológica que possuem, será pequena chance de que sejam afastados; Aécio, aliás, já conseguiu livrar a pele. Foi resgatado por seus colegas; tendo discursado a seu favor personagens como Jáder Barbalho (PMDB-PA) e Romero Jucá (PMDB-RR).

Mas, o fato é que, mesmo protegidos não estão livres; ficarão, irremediavelmente, condenados à perda da credibilidade. Que futuro terão para além da cerca de proteção que hoje lhes abriga? Vão-se os mandatos, ficam os processos. Restarão votos para que se protejam indefinidamente?

O curioso é que há pouco mais de um ano, na proa do barco do impeachment, seus nomes surgiam como opções reais para a eleição presidencial, de 2018. Aécio, afinal, tivera mais de 50 milhões de votos na eleição anterior. Temer, pelas perspectivas de reorganização do sistema e recuperação da economia, sob seu governo. Hoje são quase pó.

A política é de fato uma atividade extraordinária. Tudo muda e as circunstâncias são mesmo mais importantes que os atores. Personagens como Temer e Aécio semearam ventos que ajudaram a despertar o redemoinho que hoje os traga. Pelo menos nesse sentido, possuem mais semelhanças do que diferenças com Eduardo Cunha.

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Mas, Temer e Aécio são grãos que se perderão na história. A questão mais relevante diz respeito ao sistema político que os resguarda. Esta, sim, será a crônica, futura, a respeito destes dias. Incapaz de representar, incapaz de expressar credibilidade e contar com a confiança geral da sociedade, o sistema entrou em colapso. Trata-se de velhote moribundo, cujo espírito recusa a abandonar o corpo.

Sintomas disto: quando se assevera que o Senado somente votaria em favor de Aécio em virtude do medo de que seus pares sejam os próximos no cadafalso das denúncias, afastamentos e cassações de mandatos é porque se perdeu o sentido maior de um sistema político. Quando o sistema se volta exclusivamente à sua lógica e à defesa de um de seus pares pela defesa de todos, é porque, de fato, perdeu a finalidade.

Afinal, Aécio está sendo investigado em função do quê mesmo? Por mais que procure se vitimizar e seja vitimizado por aliados, o fato é que o tucano não foi questionado por ideias, votos ou pela expressão de opinião. O argumento de que sua salvação compreende a preservação da democracia e a autonomia de um Poder é falacioso: o problema de Aécio não é com a tribuna, mas com os tribunais.

Simples assim. E não há teoria política que possa se sobrepor à singeleza destes fatos.

O que se deveria discutir são os motivos e porquês de algumas dezenas de senadores se sentirem acuados, temerosos de serem postos, amanhã, na hipotética situação de Aécio. Ora, se puderem figurar no mesmo enredo que o senador mineiro será apenas porque são presas dos mesmos erros.

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Comprometido, o sistema precisa de mudança. Mas, girar em torno de sua abstração, o "sistema", tampouco é solução. Tanto quanto o falseamento de argumentos republicanos e democráticos, pode, antes, se tratar do mais puro diversionismo: a manjada estratégia de fugir do assunto, escapando do essencial; propondo soluções e desfechos para o dia de São Nunca. O sistema…  Quem é o sistema? Aqueles que o compõem.

O mesmo a dizer a respeito dos apuros do presidente Michel Temer. Não se trata de golpe ou conspiração. Eis aí outra falácia de mãos dadas com o diversionismo. A questão é: como um presidente da República pode ter o dedo tão ruim para escolher auxiliares, amigos e pessoas de confiança comprometidos por malas, embrulhos, esquemas, contratos e reuniões pouco transparentes, suspeitas e antirrepublicanas? É um fenômeno.

Os argumentos a favor de Aécio Neves ou de Michel Temer não fazem lógica. Ainda mais quando já foram usados, no passado recente, pelo avesso, no objetivo de julgar, afastar e condenar adversários. Erraram lá ou erram aqui?

Eis o silogismo: "é necessário defender e preservar os Poderes da República; Aécio e Temer representam esses poderes; logo, é fundamental defender Aécio e Temer". Errado: Aécio e Temer não são os Poderes. "É necessário considerar a presunção de inocência". Claro. Mas, isto não implica em que suspeitos não possam ser investigados.

Para reformar o Brasil é preciso superar as falácias e não cair nesses diversionismos. O fundamental será remover entulhos; um a um, pragmaticamente. Se mais não for, que seja para que, pelo menos, se possa ver o que há por baixo deles. O que está na berlinda são esses entulhos. Não são os únicos; nem os primeiros. Mas, precisariam ser removidos. E, sim, sempre haverá o dia de amanhã.

Carlos Melo, cientista político.

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.