Por quem os sinos dobram?
O que pauta a maioria de senadores, quando se discute o caso Aécio Neves, é o princípio do "onde passa boi, passa boiada" — o que, afinal, o amanhã fará de cada um deles. O afastamento do tucano criaria buraco na cerca de proteção que ainda hoje envolve o Parlamento. Ao representar ao STF, menos que rigor constitucional, o que se colocava era a defesa de interesses localizados. Por quem os sinos dobram? Ora, por si mesmos.
Já, no Supremo, o problema deveria ser visto por ângulos diversos: primeiro, a correta interpretação da Constituição — ao afastar um senador e mandar que se recolha, à noite, a Primeira Turma agira corretamente; fazia uso comedido de suas prerrogativas? Providências cautelares são o mesmo que prisão? Pelo bom direito e pelo bom debate, é que os sinos deveriam dobrar.
Senado e Supremo não deveriam divergir. Mas, o próprio Supremo parece divergir de si próprio. A sessão do Plenário não exibiu apenas a divergência entre magistrados, o que seria normal. Mas, a formação de dois pelotões contrários em tudo; pelo menos um deles, irritadiço e pouco disposto a ouvir.
Dado o momento especial em que vive o país, a desconfiança é inevitável: quem se dobra a quem? Interesses particulares poderiam atravessar a Praça dos Três Poderes para se instalar nas cadeiras da Justiça? A pergunta é incômoda, mas simboliza a credibilidade das instituições.
Na profusão de "considerandos" e afirmações taxativas, oportunismos e argumentos boa-fé se embaralharam. Observando isto, o leigo flutua na confusão; e são raros os que compreenderão no que, afinal, se diferem os casos de Delcídio Amaral, Eduardo Cunha e Aécio Neves. Os próprios ministros do STF não se entenderam a respeito.
Emparedada entre os dois pelotões — assediada durante toda a semana por lideranças do Legislativo —, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, buscava a conciliação já impossível. A mediana, que pretendeu, confundiu; desagradou a todos. Quase hilário foi o espanto de Alexandre de Moraes: "quer dizer que não se afasta do mandato, mas se proíbe entrar no Congresso? (…) O senador deve se recolher após as 18 horas?", arguia a ministra sem compreender a razão de seu voto.
O fato é que não há certeza para abraçar a "verdade" que dali resultou. A verdade morre ali, escorada à última palavra do Plenário do Supremo. Só isso e é mesmo assim. Mas, problema é que sobre a sabedoria togada de 11 ministros possa pairar suspeitas de que suas decisões se dobrem à conveniência da política. Dúvidas assim calam fundo; questionam a eficiência e até mesmo a existência de um sistema de freios e contrapesos; é da qualidade da democracia que se trata tudo isto.
Chama atenção que em momento algum se discutisse se o senador em questão seria ou não inocente, mas quem teria ou não prerrogativas para julgá-lo: a Justiça ou a corporação. Sim, a sessão não foi mesmo para debater caso concreto; versava sobre uma tese. Mas, no fundo, todos sabem, era de Aécio que se tratava. E da blindagem que o sistema provê a alguns dos seus. Tão dividido quanto o Supremo, segue o país.
A questão política mais relevante e delicada do momento é como o Supremo sairá de mais essa jornada — já há alguns meses se curvara diante do poder de Renan Calheiros —; como a sociedade assimilará a decisão de ontem. Foi a lei que se impôs ou o Tribunal que se dobrou as ameaças do Senado? Para este conflito, não há veredito claro possível. Afinal, por quem dobram os sinos? Certamente, não dobram por ti. O problema é que, também para a Justiça, "por onde passa boi, passa boiada".
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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