Primeiro os desafios, depois os nomes.
Em artigo anterior, apontei para a evidência de que agentes econômicos e políticos já mergulharam com tudo nas eleições de 2018, de um modo precipitado ainda que compreensível. Argumentei que há certa fissura no ar em torno do candidato ideal para ganhar a eleição presidencial, sem que se pondere, porém, se o tal do bom candidato seria também um bom presidente da República, caso viesse a ser eleito.
Por fim, apontei existir, ao meu ver, esse tipo de problema nas eventuais candidaturas do ex-presidente Lula (PT) e do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). São competitivos, sim, e satisfazem seus respectivos públicos, mas seriam as melhores opções para o governo, numa quadra histórica tão complexa como a que vivemos? Minha resposta tácita — ainda que não estivesse explícita — é que não.
Como de costume, apanhei dos dois lados: virtuais eleitores de um viram na crítica ao seu candidato o apoio ao outro. Os fãs de outro sentiram que havia nas entrelinhas do meu texto a desqualificação de seu ídolo. Faz parte e confesso que é minha zona de conforto; não tenho mesmo nenhum prazer em me vincular a torcidas ou a seitas.
Observar o jogo e comentá-lo, sem paixão, me agrada muito mais. E é meu ganha-pão. Já observei em outro espaço que sou como um açougueiro que enjoou de carne. Manipulo o produto, mas não consumo. E, longe do balcão, sequer o recomendo. Ingerir essas proteínas, e suas toxinas, da forma como bem entender, é problema de cada um, não meu. Mas, vamos em frente.
Minha preocupação maior vai na direção de que o país diminua seu grau de ansiedade e, portanto, a beligerância com que as pessoas têm se comportado em relação à política — não apenas no Brasil, é verdade. Chover no molhado é afirmar que há muita histeria nisso tudo e baixar a bola, buscando algum grau de racionalidade, é fundamental. Por isso, disse que era necessário que nos preocupemos, antes, com o melhor presidente e só depois com o melhor candidato.
Se viver em sociedade é uma condição inescapável, as disputas são também inevitáveis. O poder surge desse confronto de forças. É ele que define ganhadores e perdedores nesse jogo em que as pessoas são diferentes, suas visões de mundo distintas, e nem sempre haverá acordo e consenso sobre essa vida em sociedade.
A política, portanto, é o instrumento que a humanidade inventou para minimizar as perdas com essa disputa. Ela deveria ser compreendida como um apetrecho sutil, tão delicado quanto necessário com que os atores disputam, negociam — pactuam ou não — a convivência social e a posse, mesmo que momentânea, do poder. A democracia é as regras do jogo e define os limites da política. Por isso, a democracia é fundamental.
O país, portanto, deveria se preocupar com a democracia. Definir bem seus pressupostos e zelar por sua qualidade; não permitir desvios nem oportunismos de qualquer ordem. Sem isso, a política torna-se objeto de ilusão nas mãos de espertalhões, como os prestidigitadores que manipulam copinhos e bolinas e enganam passantes nas praças ao redor das catedrais. Isto torna a vida em sociedade insuportável. Daí o mau humor, a beligerância e a guerra de verdade.
O perigo de Charlottesville está em todo lugar. E um Donald Trump tropical, à esquerda ou à direita, só pode fazer materializá-lo por aqui também.
Neste momento, os partidos encontram-se destroçados e não há conjuntos políticos viáveis e capazes de reordenar o sistema de forma a recoloca-lo no seu devido e necessário eixo. Logo, será inevitável passar pela escolha de um nome capaz de cumprir tarefas fundamentais. Por isso, o país precisa preocupar-se com essas tarefas: antes, ponderar perfis políticos do que a capacidade de ilusão eleitoral de cada um. Simples assim. Conversemos sobre os desafios.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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