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Blog do Carlos Melo

2018 já chegou

Carlos Melo

22/08/2017 08h50

Guernica (1937) – Pablo Picasso

Com fortes evidências de que o governo Temer não ata e nem mais desata, as atenções se deslocam para o campo eleitoral. As comunidades política e econômica só pensam no embate do ano que vem; para esses agentes, a eleição já começou; 2018 é hoje. Há muita ansiedade no ar, uma aflição em relação ao devir que, naturalmente, induz ao erro: busca-se, antes, o melhor candidato sem importar, porém, quem, afinal, seria melhor presidente. Há uma inversão de lógica: primeiro a imagem, depois a essência.

Abutres destroçam as vísceras de um país acorrentado à crise; é preciso criar consensos, reordenar forças e refazer o sistema. Mas, isto parece menos relevante ou urgente: mais importante é a agenda econômica, ainda que se despreze as dificuldades para implementá-la. Quem teria mais habilidade para lidar com o Congresso, enfrentar corporações; superar — sem destruir — a Lava Jato? Como promover transformações efetivas, na política e economia? Ninguém sabe porque ninguém pergunta.

Má conselheira, a ansiedade faz ouvidos de mercador aos apelos da razão: "a pressa requer calma para não queimar etapas e pagar por erros que deixem tudo pior que no início". A ponderação tem pouco charme; no baile do desassossego, ninguém tira a prudência para dançar. A precipitação é a guia dos amadores e a marreta, o chapéu do otário. O Brasil se repete a cada vinte e poucos anos — 1960, Jânio; 1989, Collor; 2018…  Depois, não sabe onde tudo se perdeu.

É nesse contexto que se busca o melhor candidato, o mais competitivo; seja ele Lula ou João Doria. São os preferidos de 9 em cada 10 operadores do curto prazo. O ex-presidente é a salvação do PT; o prefeito, do mercado. Possuem qualidades extraordinárias como candidatos: Doria está em campanha desde 2016; Lula, desde sempre. Comunicam-se bem para seus públicos e dividem opiniões tanto quanto o país está dividido. São nomes para o embate, não para a conciliação; farão grandes bancadas. Num país que namora o conflito, são música para ouvidos que buscam cantos de guerra.

Lula é conhecido, falemos do prefeito: extremamente sagaz, usa o figurino de "não político"; desde cedo, percebeu o ambiente que despreza o velho e cultua o novo, mesmo que o desconheça. Encarna o justiceiro, capitaliza a crise, a ineficiência dos serviços públicos, a má fama dos políticos; brota do esgotamento do sistema. Empunha duas bandeiras: uma, econômica; outra, moral. Anti Lula, retira saldo das frustações, decepções e antipatias, dos excessos do PT. É habilidoso.

Alimentando a este anseio, João Doria mostra-se, com efeito, um candidato com gana. Seu cálculo é voltado à expansão objetiva do poder: quer mais e quer rápido; a cidade não lhe basta; como também não bastaria o estado. Predestinado ou não, seu foco é o país, onde fará prevalecer, de verdade, sua vontade. Chega ao paroxismo de uma força voluntariosa que não quer limites de compromissos e fidelidades.

Competitivo, o senso de oportunidade é seu soberano. Compreende que há constrangimentos, no PSDB: fossem adversários apenas José Serra ou Aécio Neves, não haveria meios pudores. Mas, Geraldo Alckmin, merece alguma cerimônia — tratamento de luxo que a etiqueta impõe ao afilhado. O prefeito prevê logo alcançar o segundo lugar nas pesquisas e tornar-se, assim, inevitável. Atropelando Jair Bolsonaro, será assimilado por toda a direita, ampliará então ao centro esmagando Alckmin, indo em direção a Lula.

Para isto, rasga os céus, cruza o Brasil, vocaliza um novo e os planos do setor privado, mas articula-se com o atraso que sempre colheu as sinecuras do Estado, como o DEM e o PMDB. Já foi adotado por esses setores de rara sensibilidade para o poder e mora nas apostas como alternativa para quem precisa sobreviver à crise do sistema como também aos fantasmas da Lava Jato. Michel Temer e Romero Jucá o recebem de braços abertos. O Brasil tem dessas coisas de ser o avesso do avesso do avesso.

Na sociedade líquida, Doria é realmente um fenômeno de adaptação às mudanças do século XXI, multimídia e alucinante. Marketing 24 horas por dia, é som, imagem e fúria. O vídeo em que envolveu Geraldo Alckmin — paralisado em seu sorriso amarelo — é coisa de mestre. Dos algoritmos de suas redes, explode para o mundo de verdade e hoje é realidade na política nacional. Nesse aspecto, é realmente moderno.

(Do outro lado da sala, Ciro Gomes espreita a tudo; espreita a Doria e a Lula. Está para o ex-presidente como prefeito está para Alckmin: na inviabilização de um, reside a viabilidade do outro. Tateia a conjuntura à procura de brechas; proativo e se expande também pelas redes de outros algoritmos. Vocaliza o anti status quo de Temer, tucanos e Doria; mas, não queima as mãos por Dilma, Lula ou pelo PT. Numa eleição de desaforados, haverá espaço para seu estilo desbocado. Ao seu tempo, será assunto para outro artigo.)

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

 

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.