Cedo para dizer se a pinguela caiu ou não
Difícil saber se a "pinguela caiu", nos próximos dias somente os desdobramentos dos fatos poderão definir e afirmar se sim ou se não. No Brasil, quando se quer, há sempre espaço para algum tipo de conciliação. Em razão da situação econômica do país, há elevada condescendência para com Michel Temer e o PMDB — o que seria fúria e pressão em outras circunstâncias pode ser relevado agora, ao sabor das conveniências. Não dá para apostar; só o tempo dirá qual narrativa vingará.
Ainda assim, é claro que terremoto político desta intensidade só pode abalar as estruturas da pinguela, desde sempre frágeis, deixa-la requenguela — para usar expressão de um samba antigo. O caso que envolve Michel Temer é tão escabroso que até as revelações sobre Aécio Neves assumem caráter secundário — de fato, há tempos, Aécio virou assunto de menor importância.
Se a narração dos diálogos assusta, imagine-se o que será quando e se as cenas vierem a público. O que os olhos veem, a fúria explode em dobro.
De momento, fica toda a nação estupefata, à espera do Supremo Tribunal Federal (STF), em especial do relator da Lava Jato, Edson Fachin, assim como do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot. E, claro, também do presidente Michel Temer, que não poderá levar muito tempo — sequer algumas horas — para dar explicações que, pelo menos, "colem" como desculpas. Temer precisará ser, pelo menos, verossímil — missão dificílima; se falhar, a pinguela já era de verdade.
Mas, vamos aos fatos: se é possível compreender alguma coisa numa confusão como esta, o caso indica que um preposto do presidente da República teria agido para calar testemunhas e o teria feito com o conhecimento e incentivo do chefe. Pelas informações até aqui, as gravações teriam sido feitas com conhecimento da Polícia Federal e, supostamente, da Justiça.
Ao Jornal Nacional, os investigadores do caso, comprovaram sua existência. Profissional experiente, Lauro Jardim não cometeria uma "barriga" desse tamanho — para usar o jargão do meio jornalístico. Ademais, cita com aspas o que seriam declarações literais. Pouco provável que não tenha assistido às gravações.
Impossível não recordar do caso de Delcídio Amaral, pego de calças na mão ao ser gravado pelo filho de Nestor Cerveró no momento em que tentava comprar o silêncio de seu pai. Na ocasião, o ministro Teori Zavascki convocou o pleno do STF e mandou recolher Delcídio. Juridicamente, a diferença de um senador para um preposto do presidente ou para o próprio presidente da República é apenas de intensidade — o drama só aumenta.
Mas, conhecemos o Brasil, política são outros quinhentos mil reais — com o perdão do trocadilho infame. O escândalo presente terá o mesmo destino? Ninguém sabe; tudo é mesmo como nuvem: impalpável, volátil, gasoso, mutável. Nem mesmo Zavascki está por aí para dar palpite. Além disso, como se disse acima, há a economia e o medo que ela desperta. Belchior, morto recentemente, cantaria: "medo, medo, medo, medo, medo".
Em momentos como este, qualquer detalhe assume importância e a dinâmica das primeiras horas é fundamental. A rapidez da resposta é tão importante quanto a qualidade da resposta. Todavia, o certo é que não há mais magos da política, não há lideranças com sagacidade e poder de reação; definitivamente, Michel Temer não é um gênio da política e não há establishment coeso que possa aliviar a pressão… Tudo contribui para mais turbulência.
O mais é especulação: já se fala em renúncia, eleição no Congresso Nacional e até mesmo se aventa nomes… Precipitação, bobagem e má fé; precaução e medo. Tudo vertigem de uma noite lancinante. Vida que segue, terror que não cessa.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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