Palocci, a carta que torna o jogo mais tenso
Mais provável é que a verdadeira "bomba atômica" despertada pela Operação Lava Jato não seja nem Emílio, nem Marcelo Odebrecht; mas, Antônio Palocci. Sua colaboração ofertada a Sérgio Moro tende a colocar na berlinda não apenas a Lula — esse já um São Sebastião cravado de tanta flechada —, mas também o sistema político e suas mais amplas conexões com mundo empresarial.
Após os depoimentos de Emílio Odebrecht e Leo Pinheiro, da OAS, Lula pode até mesmo torcer para que Palocci fale desatada e desabridamente. Naquilo que Palocci guarda e não mais parece disposto a esconder, pode morar aquela substância que se lança aos ventiladores, quando se quer causar, de fato, verdadeiro mal-estar no ambiente. Como se diz no tradicional jogo de cartas: "perdido por perdido: 'truco no resto'".
Bom recapitular quem foi a ator em questão: num período crítico, Palocci foi fundamental para a economia brasileira; sensível e perspicaz, ministro de valor que deu continuidade ao processo iniciado por Fernando Henrique e Pedro Malan, estabeleceu a racionalidade econômica, no primeiro governo de Lula, afastando o que então se dizia ser o "Risco PT", e, enquanto durou, em setores do partido; postergando matrizes deletérias, despertadas apenas mais tarde, com Guido Mantega e Dilma Rousseff.
Ao mesmo tempo, suas conexões com o mundo empresarial foram as mais amplas de que se deve ter conhecimento no período recente da política e da economia nacionais; Palocci era interlocutor de muitos, no mais alto grau de sofisticação e importância econômica; sua atuação não se limitou a um único setor — como relativamente à Petrobrás foi inicialmente circunscrita a Lava Jato —, foi versátil e democrático, nesse sentido.
Diferente de José Dirceu — vaidoso e "espalha brasas"—, Palocci era discreto, comedido, confiável para dirigentes empresariais, agentes econômicos e operadores políticos das mais variadas espécies. Sua tragédia, de início, foram os amigos de província, que levou a Brasília. Mas, mesmo tendo caído já uma vez em desgraça, ainda era lembrado com saudade e cogitado com fervor para tornar a assumir a centralidade na política nacional e no governo do PT, como de fato assumiu na campanha e nos primeiros meses do governo Dilma. Era uma espécie de "pau da barraca" daquela gestão. Só mesmo Dilma para não ter percebido isto.
Mesmo depois de deixar a Casa Civil e a política formal, continuou operando o Sistema, não apenas do ponto de vista do PT, mas de vários partidos; seu trânsito era amplo, analisava, dialogava, negociava, viabilizava. No Tarot da política e economia, era um valete de ouros, uma carta "prática, ligada a objetivos reais e palpáveis". Arquiteto dessas relações perigosas, deve ter muito o que falar.
E já adiantou um pouco disto: disse que, ao contrário dos demais, não nega, não, os problemas de Caixa 2 e toda a malha de influências, desvios e crimes que se estabeleceu entre empresas e políticos. Colocando-se à disposição de Sérgio Moro, adiantou que tudo o que poderia ou pode vir a dizer renderia um ano ou mais de trabalho para o juiz. Acrescente-se:… e décadas de apreensão para a política e para a economia nacionais. Pouco provável que seja apenas faísca. O incêndio parece bastante plausível.
Não sendo blefe, mas ainda não tendo baixado todas as cartas sobre o pano verde, pode ser também um recado para seguimentos que até agora não apareceram na vertigem dos escândalos: "o establishment que se coce", seria a piscadela, a mensagem em cifra, para antigos parceiros — que, no entanto, pouco, além do pânico, teriam a dar. O fato é que não se assistirá de camarote a este carteado, nem a tudo o que Antônio Palocci pode ter e estar disposto a revelar. O jogo fica mais tenso.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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