Recuos do governo refletem erros estratégicos
Vindo Michel Temer do ventre da baleia do sistema político, acreditou-se na motivação intrínseca e em sua pinta de profeta de reformas estruturais e ajustes fiscais. Despertar expectativas, as mais positivas, é mesmo truque antigo da arte da política; faz parte da malícia das disputas, das confabulações. É preciso convencer que é possível realizar mais, melhor e com menos custo tudo o que o outro soa incapaz de cumprir.
No tempo em que Dilma agonizava, Temer se pôs a expressar esta possibilidade: ele e seu partido arquitetaram uma tal "ponte para o futuro", que o tempo transformou em pinguela: apresentavam um rol de medidas necessárias, sim, mas facilmente vetadas se sujeitadas ficassem ao processo eleitoral. Factíveis quanto mais distantes do debate popular, apostava-se, seriam viabilizadas pela suposta habilidade e trânsito no ambiente do Congresso.
E de fato, o renovado controle da maioria parlamentar, talvez, garantisse isto. Todavia, a sagacidade e a esperteza também imaginaram que por si próprias, quem sabe, pudessem mesmo evitar reformas. Um bom choque de expectativas poderia bastar para gerar nova dinâmica econômica, recriar empregos e religar sentimentos de satisfação e, assim, desativar a bomba relógio da crise política, simbolizada pela Operação Lava Jato.
Esses processos – os tais choques de expectativas — parecem complicados, mas, são mecanismos bem simples: de algum modo, o governante emana segurança, altera a conduta de agentes econômicos que, confiantes, passam a investir. Estanca-se a crise, criando empregos; aumentam o consumo e a arrecadação, supera-se dificuldades fiscais; surgem novos incentivos, que geram mais investimentos, empregos… O ciclo virtuoso, mesmo antes da aprovação das reformas prometidas.
Esta foi esta a aposta do PMDB, por ocasião do impeachment de Dilma: um restart necessário e urgente no conjunto de crenças. A rapaziada do mercado financeiro queria mesmo acreditar nessas providenciais declarações de amor à reforma, que profissionais fazem no forjado calor da emoção. Compraram riscos, mas gente mais madura da economia real sabe que paixão de verão logo passa.
Foi esta a proposta de Michel Temer e dos políticos: acelerar a retomada do desenvolvimento; a satisfação econômica retiraria Sérgio Moro e os promotores de Curitiba do centro do palco do teatro político. A momentânea sensação de bem-estar empurraria a crise para frente e talvez nem fosse preciso encarar a impopularidade das reformas, assim tão já. Só não se combinou com a crise.
O choque de expectativas ficou aquém do esperado: o espírito animal do empresário – que não é de asno — continuou reticente; agentes econômicos, internos e externos, ressabiados, preferem aguardar sinais mais concretos de mudança. O governo procrastinou o envio das reformas por, no fundo, saber que o Congresso é sempre pouco disposto a deixar-se levar em véspera de ano eleitoral.
A equipe econômica confiou, porém, na dissimulada determinação dos operadores políticos: vocalizou o mercado e dobrou apostas, indicando ajustes mais duros, radicais, profundos e imediatos. Pensamento binário, tudo ou nada, racionalidade econômica que ignora a lógica do Parlamento: antes do país, salvar o pescoço próprio.
Expectativas ainda maiores, sem concessões, sem mediações e de certo modo irreais foram criadas, sem admitir que reformas, assim estruturais, são, afinal, processos incrementais de longo prazo. Agora, qualquer recuo, sinaliza capitulação. Erros estratégicos: antes ou agora?
A lentidão do desenvolvimento acelerou a crise política: delações foram se empilhando, vazando, disseminando o medo. Popularidade presidencial no chão dissipa névoas da ilusão de continuidade do poder. A base esfarela; preservar o foro, na renovação de mandatos, torna-se o centro estratégico da ação parlamentar. Ao mesmo tempo, Estados e municípios ameaçam implodir, com a crise de segurança que explode. E, ao reverso, pode ser o oposto dos choques de expectativas que se queria produzir.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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