Renan Calheiros e as metáforas do futebol
Renan Calheiros não é um sujeito para se ter como amigo; pelo menos, não na política. Aliás, na política, não se tem amigos; o que se tem são interesses. E os interesses de Renan são só os seus interesses e os de mais ninguém. Disse Lula, certa vez, que Leonel Brizola pisaria no pescoço da própria mãe para ser presidente da República. Com efeito, pisaria. Lula também. É assim: o poder inebria e retira qualquer outro sentido que não seja o próprio poder e a sobrevivência política. Como num jogo de futebol, o importante é bola na rede.
Por isso, Renan tem sinalizado o distanciamento em relação ao governo de Michel Temer; seus interesses com os de Temer não são mais convergentes. Simples assim: Renan não está disposto a comprar o desgaste de ser governo num momento como o que vive o país e ele próprio. A popularidade de Temer, como se sabe, vai ao rés do chão; a agenda política que empunha é ainda mais impopular – apesar de necessária e provavelmente inevitável. Os próximos meses serão ainda piores; a aflição política aumentará quanto mais se aproxime a eleição.
Renan, por sua vez, é um sobrevivente: sobreviveu a Collor, a FHC; surfou com Lula, pairou sobre Dilma. Perecerá sob Temer? Pouco provável. Renan não possui, é claro, a estatura do estadista; mas tem a compleição física de um centro-avante matador; oportunista dentro da área; finalizador.
O senador necessita da renovação de seu mandato, que vence em 2018 — e do Foro Especial, que o mandato garante –, assim como o diabo precisa de calor. Sem mandato, Renan pode ir direto para os braços de Sérgio Moro e nos braços de Moro sabe-se bem a cantiga de ninar que se canta – está lá Eduardo Cunha chorando onde a mãe não o escuta; servindo como exemplo e como alerta.
Michel Temer tem pouco a oferecer: a recuperação da economia é bem mais lenta do que se supunha e, como já, disse, a pauta é inóspita. Cargos e recursos da administração pública já não bastam por razões simples: a fiscalização hoje é muito maior, o terreno é minado; no emaranhado de cortes e contingenciamentos levados a cabo por Henrique Meirelles, as verbas já não chegam. E mesmo que chegassem, não mais resultariam até 2018. Adianta ser ministro e não ter orçamento?
Como aponta Renan, Temer não é Tite; está mais para Dunga. Com um agravante: sequer elenco teria para demonstrar a recuperação de Tite. Nesta quadra da história, está difícil escalar um time, na política nacional. Muitos jogadores estão no departamento de Política Federal, recolhidos pelo juiz, sem poder contar com o tapetão e o efeito suspensivo da Justiça. Aos mais íntegros não interessa entrar num campo, sob temporal; cheio de lama. Ninguém quer jogar para não se machucar. É impossível montar um plantel a que se chame de "seleção".
A metáfora do futebol é sempre boa, Renan já ouve os apupos das galeras. Sabe que com o andar da partida, é pouco provável que governo se recupere entre os mais pobres, sobretudo, na região Nordeste, palco de Renan. Lá, Lula – se vier a ser candidato – ou Ciro Gomes, pelo estilo de jogo que possuem, parecem melhor agradar à torcida. Renan, então, vira a casaca, muda a camisa. Não é a primeira vez; nunca teve, na verdade, nenhum time do coração justamente por saber que a carreira de jogador da política não é curta e sempre se pode improvisar.
O problema para Temer, no entanto, não é Renan, mas seu sinal e exemplo. O senador de Alagoas é também líder do PMDB, tem capacidade de influenciar. Ademais, e os outros partidos por que se abraçariam ao governo quando seu próprio time, o PMDB, parece abandonar o campo? O maior medo é que os gestos e as metáforas de Renan iniciem uma debandada e o governo seja, por fim, derrotado por W.O.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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