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Blog do Carlos Melo

Os efeitos da lista passarão antes pela reação da sociedade

Carlos Melo

14/03/2017 18h59

Paulo Maluf por ele mesmo: "a tranquilidade no olhar de quem sabe que não está na lista do Janot"

Em recente manifestação na sua conta no Twitter, Paulo Salim Maluf postou foto de seus olhos em close-up. Dizia o texto: "a tranquilidade no olhar de quem sabe que não está na lista do Janot". O atual deputado — ex-prefeito, ex-governador, ex-candidato a presidência da República – é hoje um pândego: provavelmente seu nome não conste mesmo da lista, mas nem por isso sua ficha está limpa.

O tempo passou e Maluf perdeu importância, saiu do centro da cena – sem poder sair, é verdade, do Brasil. Ele é hoje uma figura periférica. Mas, em tempos imemoriais famoso, seu nome foi apropriado como verbo: "Malufar", do qual todos sabem o significado; foi absorvido popularmente, virou um clássico.

Todavia, o que Paulo Maluf tem a ver com o fato do dia: a divulgação da lista do procurador-geral da República, com a divulgação de 83 pedidos de inquéritos ao Supremo Tribunal Federal, com os nomes de vários políticos com foro especial?

A ironia. Maluf ficar ausente de uma lista como essa nada tem a ver com uma pretensa regeneração do deputado ou com a superação do passado, com um Brasil novo. Mas, antes, com o fato de o país, pelo contrário, não apenas não conseguir superá-lo, como também atualizar, com novos personagens, os mesmos vícios.

No decorrer da semana, o empresário Emílio Odebrecht, em depoimento à Justiça, declarou que as práticas que levaram seu filho à prisão vêm, pelo menos, desde seu pai, Norberto, fundador do Grupo. A afirmação é mais que plausível, difícil contestá-la. Nada é mesmo de hoje. Mas, não significa tampouco que deva continuar assim.

A questão é que, assim como a postagem de Paulo Maluf, isto tudo revela que a democracia ainda não conseguiu virar a página da tradição patrimonialista; que as tais das instituições ainda não criaram mecanismos eficazes de controle, que a sociedade ainda enxerga bestializada um desfile de personagens que vivem o carnaval da mamata da coisa pública.

Que, de certo modo, ainda não chegamos à República, mas nem por isso é o caso de desistir.

Claro que muitos vão ponderar: "não é exatamente assim, pois, afinal saiu a lista: 83 casos de políticos com foro especial foram para a boca do Supremo. Esta é a prova de que as coisas estão mudando, sim, com efeito". É verdade, não deixa der ser um avanço. Um avanço controverso que ainda depende demais de humores, de posturas e do conflito da sociedade: nada está sedimentado, ainda.

A Lava Jato nos trouxe até aqui menos por amadurecimento institucional do que por uma conciliação de fatores: uma turma disposta e radical – no sentido de ir à raiz –, lá em Curitiba, que soube conciliar descontentamento político com crise econômica; que soube interpretar as lições do caso italiano – Operação Mãos Limpas – e adaptá-las ao Brasil. Que soube também tirar proveito da enorme inabilidade da ex-presidente Dilma que, apertada pelos fatos, perdeu controle e a condução do processo político.

Todavia, há problemas notórios: muitas dúvidas, legítimas sim, sobre os métodos aplicados; falta legislação para respaldar uma série de medidas que, por mais justas e oportunas que sejam, são também polêmicas. Mesmo a lista dos 83 casos hoje apresentada por Rodrigo Janot deve ser vista com cautela: não se pode condenar como também não se deve absolver antes de julgar. Haverá apressados dos dois lados.

No mais, faltará renovar o sistema político, fazer seu aggiornamento com o mundo moderno; faze-lo mais representativo e eficaz é fundamental e se fala pouco nisso. Quem ou o quê o fará? É preciso se preocupar com isto também.

Deixarão as tais instituições e a opinião pública que mãos mais habilidosas que as de Dilma encontrem meio para parar tudo, reembaralhar as peças desse dominó e recomeçar o mesmo jogo? Conseguirão os implicados encontrar por onde aprovar desculpas e anistias, salvando suas peles e carreiras? Encontros e conchavos têm se dado às mancheias e a luz do dia. A sociedade está atenta?

Somente os próximos passos do caminho é que dirão o que será da Lista de Janot; ela não está no procurador-geral ou no STF, apenas: está antes na real avaliação que a sociedade vier a fazer dela, no rigor de seus princípios; sua vigilância em relação ao sistema político. Na capacidade de dizer não à frouxidão de valores ou à condescendência oportunista.

É preciso manter a coerência: exigir de nós mesmos a mesma postura de quando quem estava na berlinda era Dilma e o PT. Para o bem ou para o mal, a mesma postura; o que serve para Antônio serve também para Joaquim. Ponto. Caso contrário, Malufs do futuro continuarão a postar fotos e a sorrir, com ironia redobrada, para novas listas de novos Janots.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.