Ministros réus dependem, antes, da política
Nesta segunda-feira, Michel Temer veio a público para garantir que ministro réu da Lava Jato perderá o cargo. A afirmação deveria ser apenas um truísmo, um nonsense. Contudo, a realidade do Brasil não parece alinhada com a coerência. A semana que passou, por exemplo, foi rica em disparates, gestos políticos de elevada gravidade e consequências para o futuro. O governo ia ficando mau na foto, por isso Temer resolveu falar o que deveria ser apenas o óbvio.
Nos últimos dias, a impressão que ficou foi que o governo soltou as amarras da compostura, lançando-se com ânsia em busca de estratégia capaz de aliviar a pressão e conter os riscos que pesam sobre parte de sua base, envolvida e desesperada com os fantasmas da Operação Lava Jato. Estariam dadas as condições para fazer da histórica operação do Ministério Público uma grande meia-pizza, que até aqui atingiu, seletivamente, apenas um lado do espectro político?
Cabe recapitular a semana que passou: primeiro, foi a elevação de Wellington Moreira Franco, citado na Lava Jato, à condição de ministro e ao foro especial. Depois, a indicação de Alexandre Moraes ao STF, que despertou insegurança quanto ao destino da "operação" naquele Tribunal. Houve também a definição de citados pelas delações da Odebrecht como membros da Comissão de Constituição e Justiça do Senado; por fim, soube-se do convescote de Moraes, num barco, com seus futuros arguidores, no Senado.
Com justificadas razões, as pulgas coçaram atrás das orelhas. Como observou meu colega Josias de Souza,"a oligarquia apertou o botão de 'dane-se'"; o verbo não é bem esse – Josias é elegante –, mas para bom entendedor, é o suficiente: a proteção em relação à Lava Jato está para a base governista como uma espécie de razão de estado, que submete todos os demais objetivos, até mesmo a agenda de reformas.
Colega em outra esfera, o cientista político Marcus Melo – não é meu parente, infelizmente – há semanas coloca o problema de forma brilhante: para ele, há um "trilema brasileiro", combinação impossível de três elementos. Diz ele: "as reformas, a permanência de Temer e a Lava Jato… simultaneamente, não são exatamente viáveis".
Faz lembrar outro trilema mais antigo; um clássico que envolve um hipotético sujeito simultaneamente inteligente, honesto e nazista como uma impossibilidade lógica: se honesto e inteligente, não poderia ser nazista; se nazista e inteligente, não poderia ser honesto; se honesto e nazista, não poderia ser inteligente.
Em rodas de conversa sobre o assunto, há os que relativizam o trilema de Marcus, acreditando na elevação humana: creem que, sem saída em relação à Lava Jato, aos parlamentares nada restará senão votar numa agenda de reformas redentora da economia. Seria um gesto patriótico capaz de salvar o país: o sujeito resigna-se e afunda; soçobraria sem custos coletivos. Mas, deixaria a sua marca no ajuste fiscal e em reformas estruturantes que desagradam grupos de interesse – alguns, seus eleitores inclusive. Bonito, mas irreal.
Agentes políticos fazem cálculos; para usar uma expressão de economistas, "buscam maximizar a própria utilidade". Em português claro, procuram o que é melhor para si próprios. Ora, assim, enquanto houver esperança, haverá a crença de que há um deus para ouvir preces e operar milagres. Esse deus, neste momento, é a oligarquia e o establishment, divididos em torno da salvação da própria pele, pela asfixia da Lava Jato, e da economia, por meio das reformas. O preço de um parece mais atrelado ao valor de outro do que variáveis independentes.
As águias da política percebem o momento e a fragilidade de suas presas: a sociedade se recolheu na indignação de princípios aparentemente já satisfeitos pelo impeachment de Dilma e a ruína do PT. Além disso, a Lava Jato, com efeito, tem sido controversa em pontos como duração de prisões preventivas e a forma como colhe "colaborações" premiadas. Os caciques do PMDB perceberam isto desde sempre, mas deixaram o processo correr enquanto interessou. Agora ameaçam um conveniente freio de arrumação.
O voo altaneiro que até aqui disfarçava a contrariedade com o processo da Lava Jato, é, então, alternado para rasantes indissimuláveis e objetivas: o pulo-do-gato consiste contestar métodos de promotores e juízes, limitá-los a parâmetros de justiça e direito – que sempre estiveram na Constituição — e avançar em novas definições de "Caixa 2", por exemplo. Livrar a cara, fugir do risco, evitar prisões.
Nos gestos, esses movimentos do governo sinalizam que, com a Lava Jato não haverá foco nas reformas, pois aflita, a base não terá cabeça para elas; sem as reformas, não haverá governo Temer com a natureza e a composição que hoje conhecemos. Na semana que passou, o governo foi a campo em busca de sua preservação e continuidade. O presidente Temer sabe — mas oculta — que a suposta demissão de ministros depende, antes, que a política permita que a justiça os faça réus. É simples.
"Trilemas" encontram solução fora matemática formal, sua equação depende de racionalidades capazes de dar nós na lógica; reside em variáveis como poder, sagacidade e oportunismo. Habilidades que permitem dizer "dane-se". É a política real, crua, insincera. Coisa de profissionais.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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