A dramaticidade política aumenta com a morte de Teori
Crédito:Carlos Humberto/SCO/STF
A morte do ministro Teori Zavascki é desde sempre um acontecimento lamentável. Em virtude de suas qualidades pessoais e como magistrado, significa uma grande perda para a família, para o Supremo e para o país. Antes de tudo, é importante frisar o respeito pela dor que vem junto com a tragédia.
Contudo, para agravar a situação, infelizmente não é apenas isto. Inegavelmente, trata-se de um fato carregado de implicações políticas. Como se sabe, Teori era o ministro-relator do processo da Operação Lava Jato, que envolve um número incerto, porém sabidamente grande de políticos e autoridades. A operação há dois anos mobiliza o país e tem significado um verdadeiro abalo nas estruturas da política e do Estado brasileiros. Logo, discutir desde já as consequências políticas é inevitável e até essencial.
O primeiro efeito estará vinculado às causas do acidente. Num momento como este, não faltarão teorias da conspiração. É certamente precipitado dar ouvidos; podem ser mesmo levianas. Todavia, ao mesmo tempo, não se pode descarta-las. Num acidente de avião, é costume considerar todas as hipóteses, não descartar nenhuma delas; num momento excepcional como este tanto maior deve ser o cuidado. A desconfiança ou a maledicência – não importa – elevarão o calor do ambiente.
Sem mexericos, nem especulações, com seriedade e coragem será, no entanto, necessário aguardar e acompanhar com atenção as investigações. Melhor que seja o que é mesmo mais provável, um acidente. O país não precisa de um mártir, mas também não é saudável que paire dúvidas que, mais tarde, podem comprometer a própria credibilidade do sistema democrático. As causas do acidente devem ser levantadas com muita competência e divulgadas com extrema transparência.
Em paralelo, outro aspecto tende a se situar em torno da sucessão do ministro e de quem herdará seus processos, em especial a relatoria da Lava Jato. Tratava-se Teori Zavascki de um ministro pouco comum: discreto, contrário à exposição desnecessária e desmedida, seguindo o preceito de bom senso jurídico de que que "o juiz se manifesta apenas pelos autos". Isto lhe rendeu respeito, sobretudo nos últimos anos, pois eram manifestos seu distanciamento pessoal e sua análise técnica, fria, imune de qualquer paixão ou simpatia.
Não se encontra no Supremo, porém, com facilidade, tipos assim, com essa mesma postura e serenidade. Os últimos anos têm dado amostras do contrário: uma tentação enorme pelos holofotes da mídia e uma lamentável disposição ao bate-boca. Logo, a escolha de seu sucessor — e, antes disto, o método pelo qual será escolhido o herdeiro da relatoria — será de extremo valor simbólico e, portanto, enorme importância política. Se exigirá do próximo relator a mesma credibilidade.
A indicação do sucessor no cargo de ministro é, naturalmente, feita pelo presidente da República, com aprovação do Senado. Trata-se, evidentemente, de um processo com plena legitimidade – ninguém mais pode fazê-lo. Quem mais poderia? Todavia, é claro que trará questionamentos e suspeitas inevitáveis; são mais que conhecidas as sombras que pairam neste momento sobre o sistema político, justamente, vinculadas ao processo da Lava Jato. Em virtude disto, o melhor seria destrelar a sucessão do ministro da ocupação da relatoria do processo da Lava Jato. Escolher um relator entre os atuais ministros, buscando o perfil mais aproximado a Teori.
Voltamos à questão do perfil: quem, entre os atuais ministros, teria a mesma credibilidade – ainda que tenham todos a legitimidade garantida pela lei? A escolha não será simples, não pode ser burocrática, mas tampouco uma decisão politicamente inspirada e, assim, questionável. Não será simples, contudo dependerá desta escolha a credibilidade de todo o sistema.
À parte do choque que a morte de Teori Zavascki traz, a dramaticidade da situação política do país aumenta. Estas questões já devem estar rondando a consciência dos ministros do Supremo e das principais lideranças do país. Junta-se ao silêncio e também à reflexão de todos. Que não nos falte sabedoria.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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