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Blog do Carlos Melo

Vinte anos de atraso

Carlos Melo

20/12/2017 01h08

O candidato à Presidência da República Paulo Maluf discursa antes de votação do Colégio Eleitoral no Congresso Nacional, em Brasília, em 15 de janeiro de 1985

Decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, determinou encarcerar o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP). Como disse meu colega e amigo Marco Aurélio Nogueira, com a perspicácia que lhe é peculiar, "a decisão vem com 20 anos de atraso". Com efeito, vinte ou trinta anos depois, a medida não surpreende mais; "o dia chegou" e nem por isso alegra; sequer entristece. Não houve festa, rojões, como se imaginou aconteceria quando o dia chegasse.

Notícia é apenas lacônica. Como lhe é usual, Marco Aurélio acertou na mosca: são vinte anos de atraso. Nem riso, nem lágrima. Apenas o atraso.

Hoje, Paulo Maluf é apenas uma espécie de decano de um seleto grupo que o sucedeu, ocupando seu espaço e seu mister. Não chega a ser um pioneiro, a atividade é antiga; remonta séculos no país. Ainda assim, faz lembrar um tempo em que toda a suspeita de malversação de recursos públicos se encerrava num único símbolo: Paulo Maluf; em um só termo: "malufar".

As novas gerações certamente desconhecem e talvez nem deem importância para isto, mas na década de 1980, Paulo Maluf fez-se verbo. Qualquer dicionário informal na Internet — que naquele tempo nem existia — hoje é capaz de traduzir seu significado. Também na rede está a biografia do verbalizado senhor; desnecessário gastar bits com isso.

O fato que mais chama atenção, no entanto, não é a prisão. O país, de um jeito ou de outro, se modernizou e pessoas como Paulo Maluf, hoje, já podem ser presas. Isto não era cogitável há vinte ou trinta anos. Era uma quadra da história do Brasil em que apenas se sonhava que isto pudesse, um dia, acontecer. Neste aspecto, é de se reconhecer: houve avanço.

Na sociedade atual, mais moderna e complexa, a multiplicidade dos meios de comunicação não mais permite a censura, tudo se revela e figuras como Maluf não passam em brancas nuvens; o Ministério Público se consolidou, o Judiciário remoçou. Nada, hoje, é absolutamente controlável; acordões são muito mais difíceis de serem fechados — ainda que não seja impossível (o tempo dirá). Esta é a parte meio cheia do copo.

A parte meio vazia, no entanto, é que, ao longo do tempo, Paulo Maluf tornou-se apenas "mais um". Não "mais um", no sentido de qualquer tipo de universalismo de procedimentos — a lei aplicada de igual modo para todos —, mas apenas "um entre tantos" políticos que enveredaram pelos mesmos caminhos, frequentam as páginas policiais e as fazem confundir com a editoria de Política.

Infelizmente, Malufs, hoje, existem às mancheias, nos mais diversos partidos; nos mais variados poderes. Um, entre tantos. Existiam no passado? Evidente que sim. Mas, no passado, podiam ser sintetizados numa só figura. Hoje, isto não é possível.  São tantos!

Há exceções, é claro, e, provavelmente, nem sejam tão raros assim os que se diferenciam na escuridão. Todavia, de algum modo, grande parte do sistema político passou e se confundir com o malufismo de antanho. De tal forma que a prisão do velho Maluf  já não causa suspiros.

No mesmo dia em que o PMDB decidiu mudar de nome e voltar a chamar-se "MDB", a prisão de Paulo Maluf é, finalmente, decretada pelo Supremo. Na mesma semana, uma série de casos vinculados a corrupção foram arquivados; condenados postos em liberdade. Ironias da sorte e da história: num par de dias, tudo isso se seguindo.

Paulo Maluf e o MDB, por muito tempo, simbolizaram opostos. Um, a vidraça; o outro, a pedra. Um, o vício; o outro, a promessa de virtude. Maluf, a maior expressão civil do regime militar; o MDB, aglutinador da maior parte da oposição cívica; portador formal da tênue esperança de um novo tempo, que parece ter chegado apenas em parte — ainda que já seja alguma coisa.

Tanto tempo passado, boto-me a pensar na reação de Ulysses Guimarães, num dia como este: estivesse vivo, vibraria com a prisão de Maluf ou lamentaria por aquilo que seu MDB passou a simbolizar? Diria que esse MDB, atual, é o seu? O partido hoje é síntese do sistema político que assimilou e ultrapassou Maluf. O que sentiriam e o que diriam Ulysses, Paulo Brossard, Thales Ramalho, Marcos Freire, Franco Montoro, Mário Covas, Tancredo Neves?

Sentimentos contraditórios emergem nessa hora: ok, antes tarde do que mais tarde; mas, vinte anos de atraso, talvez, seja tarde demais.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

 

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.