Os efeitos da condenação de Lula
As considerações de ordem moral, a justiça ou os aspectos jurídicos a respeito da condenação do ex-presidente Lula ficam por conta do leitor. Cabe ao analista tatear as implicações políticas do fato: o simbolismo do veredito do juiz Sérgio Moro, suas consequências mais imediatas e seus efeitos sobre o processo eleitoral de 2018. Mesmo entre os especialistas do mundo das leis e das sentenças jurídicas há muita controvérsia a respeito, aponta-se acertos e deslizes de Moro; não será o comentarista político que dará a última palavra.
O que se pode dizer é que a condenação não compreende nenhuma surpresa, toda e qualquer araucária de Curitiba sabia que Moro condenaria Lula; Pule de dez, sequer cabia fazer apostas. Os próprios advogados de Lula compreendiam isto, tanto que desde sempre optaram pelo enfrentamento ao juiz, ressaltando haver no magistrado disposições e orientações de ordem política em oposição ao ex-presidente e seu partido. Verdadeiro ou falso, foi a linha de defesa nessa fase do processo.
Imaginava-se, como de fato ocorreu, que o juiz não mandaria o réu imediatamente para a prisão e sabia-se que Lula não se tornaria inelegível imediatamente. Segundo o ex-juiz Walter Maierovitch, havia mesmo base para que Moro não o fizesse, uma "jurisprudência de remanso"— calma, tranquila, contra a qual não há indisposição. Chama atenção, no entanto, que Moro assinalasse em seu arrazoado que preferiu agir assim em virtude da condição política de Lula, compreendendo que pudesse, já nesta fase, causar comoção.
Com efeito, a prisão — se viesse ou se vier a ocorrer — teria esse efeito. Contudo, há um aspecto interessante em torno deste ponto: polêmica e "comoção" residirão tanto na prisão como também na eventual não prisão de Lula. Distante dos 83% de popularidade que um dia o abraçou, figura controversa, Lula divide o país entre os que o apoiam e o aprovam a despeito de qualquer coisa e aqueles que o desaprovam também a despeito de tudo. Da tensão e do desgaste de uma definição não haverá fuga, quando chegar, por fim, o momento.
Justamente por conta dessa natureza emocional e da capacidade de dividir opiniões, o veredito de Moro é carregado de paradoxos: como marco, significa exatamente o quê? O fim de uma era, em que Lula ocupou o centro da política nacional, o ocaso do discurso moral do PT, a emergência de um novo Brasil "onde os poderosos vão para a cadeia" — haveria ainda tantos poderosos soltos por aí… — ou a consolidação de juízes e promotores como agentes centrais no processo político nacional? Difícil saber, provavelmente só o tempo e a história dirão.
No curtíssimo prazo, a condenação de Lula significa uma enorme apreensão também para seus adversários: os riscos para tucanos e peemedebistas arrolados com a Lava Jato aumentam, é evidente. Haverá pressão de parte da opinião pública, tanto sobre o Judiciário quanto sobre o Ministério Público, para que também Aécio Neves e Michel Temer, por exemplo, sejam igualmente julgados e punidos com rigor. Certo ou errado, justo ou injusto, é o que menos importa: o ambiente entra no clima do "olho por olho, dente por dente".
Agudiza-se, assim, a polarização entre os "pró" e os "contra" Lula, simpáticos ou antipetistas. O debate político se dará em torno de sua figura, candidato ou não: algoz do Brasil ou vítima de perseguição política. Os ânimos e as ruas se dividirão ainda mais, portanto, e um debate racional e comedido será impossível. As dificuldades para construção do diálogo nacional aumentam — estando Lula preso, como também, sendo, por fim, absolvido em segunda instância.
No curto prazo, não haverá quadro bom, ainda que no médio e no longo a tendência seja mesmo de isolamento do PT. Mas, isto somente se definirá no pós-eleição, de 2018, a depender do resultado. Uma derrota acachapante da legenda colocará uma pedra sobre o assunto, reduzindo a base social do lulismo ao gueto. Mas, a eventual vitória — ou mesmo um desempenho extraordinário diante das circunstâncias — significará manter a chaga aberta, a ferida purulenta, o nervo e a fratura expostos.
O PT sabe disso e também por isso investirá na retórica da vitimização de seu principal líder. A tentativa de transformá-lo de réu/condenado em vítima; mais que um preso, um perseguido político — reduzindo a questão e desviando o debate a respeito dos fatos que fizeram explodir a Operação Lava Jato, Joesley Batista e outros tais que, na verdade, dizem respeito a todo o aparelhamento do Estado no Brasil realizado por grande parte de seu sistema político. Este será o cominho e a tangente eleitoral do PT.
Mas, é evidente que a estratégia da vitimização não é exclusividade do lulismo. Não se comportam de modo diferente tucanos e peemedebistas quando apontam nas acusações a Aécio Neves e a Michel Temer as digitais da politização, da armação e do "golpe" contra seus próceres. Curioso notar a euforia dos adversários de Lula ao comemorar a condenação: o raciocínio que desfilam diante das câmeras serve também contra eles e os seus; efeito Orloff, os Lulas de amanhã. Seriam todos vítimas do complô de um mundo injusto? A resposta fica para o leitor.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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