Independente do desenlace da crise, o estrago está feito
O desfecho ainda não está dado, mas o estrago já foi feito. O governo foi abatido no ar, no momento em que a galinha do desenvolvimento ameaçava alçar seu primeiro voo. A credibilidade, já debilitada, foi recolhida a uma espécie de UTI, a articulação, baseada — quase que exclusivamente — no fisiologismo, viu a fidelidade migrar para o oportunismo indignado dos que se dizem, convenientemente, surpreendidos. O cronograma das reformas, pedra de toque do processo econômico, foi pelo ralo.
As últimas denúncias completam, no entanto, a tentativa de varredura do entulho político nacional, que, até aqui, dizia-se, ser perseguição exclusiva ao PT. Injusto: em Curitiba, há gente sortida, de partidos variados. Mas o fato é que, agora, o turbilhão chega também ao centro do novo poder e o veneno atinge o coração do grupo que esfolou petistas em praça pública: Michel Temer e o tucano Aécio Neves. A narrativa da perseguição perde sentido e a Lava Jato ganha força para seguir em frente, inclusive em direção a Lula.
Vamos aos fatos: no PSDB, a imagem de Aécio Neves, seu presidente, parece irremediavelmente rasgada. A justiça pode decidir o que quiser, mas as cenas exibidas na TV, são definitivas: o senador atarantado com as denúncias somadas aos áudios do diálogo com Joesley Batista nada têm de inconclusivas — duas milhas, dividas em 4 lotes de 500 mil, é dinheiro para toda existência de muitas vidas, no padrão médio da sociedade brasileira. Há também o símbolo: a irmã, Andréia Neves, de frente e perfil, recolhida à PF; são os netos de Tancredo. A Nova República termina desse modo melancólico.
Os tucanos, é claro, pedem a justa moderação que não tiveram no passado; copiando o PT de ontem, foram inclementes com os adversários; assumiram o jeito UDN de ser e, agora, mordem a língua. São medidos pela mesma régua da impiedade que usaram. Fanáticos adoram atirar pedras, o problema é quando o farisaísmo se revela. A reputação despencou pela janela. Parece vingança de autor de novela.
Mais concreta em consequências, porém, é a situação de Michel Temer. Trata-se do presidente da República, da condução de uma política econômica com objetivos de retomada do desenvolvimento perdido e da tentativa de reorganização — agora frustrada — do país. Foi para isto que o presidente e seus ministros apelaram durante toda a quinta-feira. "Logo agora…", diziam num muxoxo desolado. Trens desgovernados não têm mesmo hora para descarrilhar. Dependem, antes, de vacilos na direção.
Independente de serem ou não conclusivas as gravações até aqui conhecidas — e não parecem mesmo conclusivas —, a questão é que o trem desgovernado passou por cima do maquinista. O encontro furtivo de Michel Temer com Joesley Batista é inexplicável; a natureza dos diálogos que mantiveram é ruidosa em todos os sentidos — presidentes da República não podem ouvir certas coisas; no cargo 24 horas por dia, não têm folga. É a vida. Logo Temer, tão cheio de formalismos…
Também inexplicável é o envolvimento de seu homem de confiança, Rodrigo Rocha Loures, com o carregamento de numerário em espécie, e sem justificativas até aqui, pelo menos. Loures sofreu apupos — no aeroporto, em sua volta ao Brasil — dignos dos grandes símbolos da raiva nacional. Como explicar os encontros, as fotos, a grana, as coincidências, tudo… Sobretudo, após os diálogos entre Temer e Batista?
A base do governo — que analistas os mais entusiastas do temerismo, cantavam em verso e prosa, relevando sua natureza — já se coloca na cabeceira da pista para escapar dos efeitos de um governo desde sempre impopular que, agora, cai também de cabeça na maldição da Lava Jato. Incomodados com as reformas, que já não queriam votar, cantavam Tim Maia, "me dê motivos". E Michel Temer deu. As revelações de Joesley são mesmo música para seus ouvidos — no mínimo, uma sirene que alerta "hora de fugir".
Dificílimo será retomar o processo, voltar ao ponto em que o nervo se rompeu. Pelo menos por enquanto, a ênfase de um Michel Temer indignado cai no vazio. Seu "Não renunciarei. Repito: não renunciarei", apoiado, ao fundo, por uma tímida e desanimada salva de constrangidas palmas, parece pouco como reação. O presidente, no entanto, é verdade, ganhou um inconclusivo sopro se não de vida, pelo menos, de tempo — solicitará perícias e alongará essa agonia. Assim, o desenlace da crise não será rápido, se alongará para um desfecho ainda desconhecido. Enquanto isso, o governo rezará a Santo Expedito, o advogado das causas perdidas.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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