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Blog do Carlos Melo

As circunstâncias protegem Michel Temer

Carlos Melo

19/04/2017 08h27

Foto: Leandro Prazeres/UOL

Atirado ao lago pelo turbilhão das delações premiadas, Michel Temer viu-se obrigado a se debater nas águas turvas de seu tempo, na esperança de, enfim, aprender a nadar. Nos últimos dias, o presidente peregrinou por emissoras de rádio e TV, almoçou com empresários e parlamentares na esperança de encontrar aí, um bote salva-vidas para seu governo e para o país.

O vendaval que soprou na semana que passou foi, afinal, devastador: a elite do sistema político foi atingida e será investigada no Supremo Tribunal Federal; estão todos atordoados, ainda — citado, o próprio presidente só não será indiciado em virtude de uma providencial "imunidade temporária". Tudo isto fez aumentar a incerteza em relação aos caminhos para superação da crise.

Temer tenta, então, emergir a partir de duas operações concomitantes: limpar a própria imagem e dar ânimo ao governo. Negando envolvimento com os descaminhos do PMDB, o presidente busca preservar algum grau de credibilidade e, assim, entende estimular o processo de reformas estruturais que enviou ao Congresso Nacional.

Compreende que não aprovar as reformas traria consequências sérias para a economia e, portanto, para o governo; aumentando a desconfiança dos agentes econômicos, investimentos seriam adiados e a retomada do desenvolvimento protelada; o abismo da crise sorriria logo mais a frente.

Assim, o sucesso, ainda que relativo — mesmo residual —, de reformas desidratadas já seria alguma coisa a apresentar. Chegar ao final do mandato – ou da pinguela — com algum sucesso para chamar de seu, de forma a não prenunciar, ao final, o caos, seria, nas condições de Temer, uma vitória de qualquer forma. Mesmo que seja de uma forma qualquer.

Nada disso é muito simples, porém. Pesquisa recente do Ibope aponta que a aprovação do presidente já é inferior a 10% — parcos 9% de ótimo e bom. Sem a simpatia popular, a blindagem de Temer se enfraquece, logo sua capacidade de "persuasão" também. Não bastasse isto, seus principais operadores — contaminados de modo atemporal — são hoje de pouca valia, perdidos em seus próprios labirintos. O presidente está só?

No Congresso Nacional,  uma mancheia  de políticos relevantes precisa de ânimo e proteção e nada é mais prejudicial a eles do que se alinharem a governantes impopulares. Sempre o que se quer é o bônus de cargos e espaços, mas não o ônus do desgaste. Às vezes, recursos a rodo e a granel, não bastam; o que se busca no governante é mesmo os bons fluidos de um momento positivo e distância das urucubacas.

Temer, é claro, ainda não pode ser chamado de "pato manco"– um presidente morto em vida até o final do mandato. O jogo não terminou. Contudo, se poderá dizer isto a seu respeito caso as reformas não sejam aprovadas — sobretudo, a da Previdência. Sua serventia não consiste em  reorganizar o jogo da política — para isto é incapaz –, mas em tentar contornar o problema da economia da forma que lhe for possível.

Desse modo, Temer é, paradoxalmente,  favorecido pelas circunstâncias negativas que o cercam, como também por uns poucos fatores que estão além de seus méritos e capacidades.

O primeiro e mais fundamental fator é não haver alternativa a ele — do ponto de vista econômico, o quadro com sua eventual retirada do cenário é tão assustador que, neste momento, já é elemento de contenção da dinâmica negativa e de proteção do presidente e do governo. O segundo aspecto é a banalização das delações: numa lista que faz lembrar um catálogo telefônico, o presidente é apenas um nome entre tantos — mesmo assim, protegido pela temporária imunidade.

Por fim, a dissimulação da frustração e a significativa redução de expectativas do mercado financeiro –que agora faz todas as concessões e admite todos os recuos, em relação aos resultados fiscais das reformas — também tornou-se um fator em seu benefício. Comprados em cenários cor-de-rosa, os operadores têm resistência em admitir que o milagre, sem eleição, prometido e anunciado no passado, não existe. O que dizer aos clientes? Uma forma de evitar o azar é não chamar por ele.

Não, o presidente não é um pato manco. Operando um sistema político doente,  com auxiliares alvejados e reduzidíssima capacidade de enforcement,  Temer é, por enquanto, apenas uma espécie curiosa de anatídeo com necessidades especiais. Nada, anda e voa ao seu modo desajeitado, mas se movimenta que  de qualquer forma. Se, de todo modo, qualquer avanço serve conquanto salve as aparências, vai em frente mesmo que seu movimento que não seja retilíneo nem uniforme. Vai com dificuldades, mas vai. Sabe que viver não é preciso; que preciso é saber nadar.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.