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Blog do Carlos Melo

No julgamento da chapa Dilma-Temer, não há decisão simples

Carlos Melo

04/04/2017 10h48

Durante a campanha de 2014. Foto: Daniel Marenco/Folhapress

Por ocasião do impeachment, Michel Temer dizia que o PMDB ajudou, sim, a eleger Dilma Rousseff, sendo seu aliado e parceiro na chapa vitoriosa que concorreu à presidência da República, em 2014. Argumentava em defesa de sua legitimidade, no pós-dilúvio em que naufragou o barco de Dilma e o levou à presidência da República, contestada pelos petistas.

Agora, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começa julgar a chapa eleitoral, em que ambos figuravam – por ter-se locupletado no uso e abuso do poder do Diário Oficial – o raciocínio já não é bem assim: Temer insiste que a união que teve com Dilma foi com separação da pilhagem que os partidos promoviam aos recursos do Estado, como demonstrou a Lava Jato. Naturalmente, tanto petistas como peemedebistas alegam que os recursos que regaram a campanha foram legais – como se a mera contabilidade os purificasse.

A política é feita de todo tipo de conveniências, seus argumentos moldam-se aos interesses. Nesse contexto, há mais e mais argumentos e interesses que se amoldam à política. Políticos e até mesmo juízes vem a público para dizer que o afastamento de Michel Temer – que fazia parte da chapa de Dilma, como aliado e parceiro – não é bom para a economia do país, já combalida pela crise, pelo desemprego, pelo desajuste. Não seria conveniente, não seria…

Por ironia da política, o julgamento da chapa Dilma-Temer não é mais o julgamento de Dilma — para a ex-presidente, a condenação é um tanto perfunctória, torna-la inelegível é simbólico, mas talvez não seja assim tão má ideia para sua alma abatida. Do ponto de vista prático, o julgamento da chapa é, antes de tudo, o julgamento de Michel Temer, cujo afastamento, traria sim, consequências práticas para o país, a começar pela economia.

Com efeito, dois impeachments em 25 anos e, novamente, esse novo perrengue em torno de Temer, não é mesmo sinal de saúde política e, é óbvio, que a incerteza leva abala a economia. Ademais, a insegurança pousaria sua sombra obscura sobre continuidade da atual equipe econômica e a agenda de reformas que tramita no Congresso Nacional; agentes econômicos se abalariam de imediato e o cenário não seria mesmo nada promissor.

Contudo, é duvidosa a opção de considerar exclusivamente a economia como padrão e consequência para tudo o mais no país. Também as bases da frágil democracia brasileira estariam em jogo se a eventual responsabilidade política do atual presidente vier a ser negligenciada, por conta de interesses econômicos, e isto desmoralizar ainda mais a credibilidade do presidente e do processo político.

Sem menosprezar os efeitos perversos de curto prazo, com democracia, a economia poderá voltar ao leito. E talvez fosse mesmo oportunidade para reestruturar de uma vez o sistema político do país, hoje em frangalhos. Claro que não se pode descartar que a piora econômica também, por sua vez, pode abalar a frágil democracia que temos. Há um circulo vicioso de horrores mútuos. Todavia, sem a confiança na democracia, tudo o mais também fica imprevisível; a democracia constrói a economia, não o contrário.

Não há escolha simples e, como tudo, viver é sempre fazer escolhas – a favor e contra, os tais trade-offs, como dizem os economistas. Por isto, neste julgamento, é preciso estar atento e forte, porque nada é divino e tudo é bastante perigoso. Não há escolha boa, a não ser a hipotética e, desde já politicamente controversa, comprovação cabal da inocência de Temer — "cabal", não de faz-de-conta.

O que decidirá o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no decorrer desta semana, ninguém é capaz de dizer. O mais provável é que se façam valer as estratégias delongatórias dos advogados. Ao final, a tendência de remeter o processo às calendas, não decidir o que é mesmo difícil decidir, por tudo o que implica. Mas, tampouco a indecisão e a acomodação de interesses são bons caminhos. O país continuará perdido em seu labirinto.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.