Os efeitos da lista passarão antes pela reação da sociedade
Em recente manifestação na sua conta no Twitter, Paulo Salim Maluf postou foto de seus olhos em close-up. Dizia o texto: "a tranquilidade no olhar de quem sabe que não está na lista do Janot". O atual deputado — ex-prefeito, ex-governador, ex-candidato a presidência da República – é hoje um pândego: provavelmente seu nome não conste mesmo da lista, mas nem por isso sua ficha está limpa.
O tempo passou e Maluf perdeu importância, saiu do centro da cena – sem poder sair, é verdade, do Brasil. Ele é hoje uma figura periférica. Mas, em tempos imemoriais famoso, seu nome foi apropriado como verbo: "Malufar", do qual todos sabem o significado; foi absorvido popularmente, virou um clássico.
Todavia, o que Paulo Maluf tem a ver com o fato do dia: a divulgação da lista do procurador-geral da República, com a divulgação de 83 pedidos de inquéritos ao Supremo Tribunal Federal, com os nomes de vários políticos com foro especial?
A ironia. Maluf ficar ausente de uma lista como essa nada tem a ver com uma pretensa regeneração do deputado ou com a superação do passado, com um Brasil novo. Mas, antes, com o fato de o país, pelo contrário, não apenas não conseguir superá-lo, como também atualizar, com novos personagens, os mesmos vícios.
No decorrer da semana, o empresário Emílio Odebrecht, em depoimento à Justiça, declarou que as práticas que levaram seu filho à prisão vêm, pelo menos, desde seu pai, Norberto, fundador do Grupo. A afirmação é mais que plausível, difícil contestá-la. Nada é mesmo de hoje. Mas, não significa tampouco que deva continuar assim.
A questão é que, assim como a postagem de Paulo Maluf, isto tudo revela que a democracia ainda não conseguiu virar a página da tradição patrimonialista; que as tais das instituições ainda não criaram mecanismos eficazes de controle, que a sociedade ainda enxerga bestializada um desfile de personagens que vivem o carnaval da mamata da coisa pública.
Que, de certo modo, ainda não chegamos à República, mas nem por isso é o caso de desistir.
Claro que muitos vão ponderar: "não é exatamente assim, pois, afinal saiu a lista: 83 casos de políticos com foro especial foram para a boca do Supremo. Esta é a prova de que as coisas estão mudando, sim, com efeito". É verdade, não deixa der ser um avanço. Um avanço controverso que ainda depende demais de humores, de posturas e do conflito da sociedade: nada está sedimentado, ainda.
A Lava Jato nos trouxe até aqui menos por amadurecimento institucional do que por uma conciliação de fatores: uma turma disposta e radical – no sentido de ir à raiz –, lá em Curitiba, que soube conciliar descontentamento político com crise econômica; que soube interpretar as lições do caso italiano – Operação Mãos Limpas – e adaptá-las ao Brasil. Que soube também tirar proveito da enorme inabilidade da ex-presidente Dilma que, apertada pelos fatos, perdeu controle e a condução do processo político.
Todavia, há problemas notórios: muitas dúvidas, legítimas sim, sobre os métodos aplicados; falta legislação para respaldar uma série de medidas que, por mais justas e oportunas que sejam, são também polêmicas. Mesmo a lista dos 83 casos hoje apresentada por Rodrigo Janot deve ser vista com cautela: não se pode condenar como também não se deve absolver antes de julgar. Haverá apressados dos dois lados.
No mais, faltará renovar o sistema político, fazer seu aggiornamento com o mundo moderno; faze-lo mais representativo e eficaz é fundamental e se fala pouco nisso. Quem ou o quê o fará? É preciso se preocupar com isto também.
Deixarão as tais instituições e a opinião pública que mãos mais habilidosas que as de Dilma encontrem meio para parar tudo, reembaralhar as peças desse dominó e recomeçar o mesmo jogo? Conseguirão os implicados encontrar por onde aprovar desculpas e anistias, salvando suas peles e carreiras? Encontros e conchavos têm se dado às mancheias e a luz do dia. A sociedade está atenta?
Somente os próximos passos do caminho é que dirão o que será da Lista de Janot; ela não está no procurador-geral ou no STF, apenas: está antes na real avaliação que a sociedade vier a fazer dela, no rigor de seus princípios; sua vigilância em relação ao sistema político. Na capacidade de dizer não à frouxidão de valores ou à condescendência oportunista.
É preciso manter a coerência: exigir de nós mesmos a mesma postura de quando quem estava na berlinda era Dilma e o PT. Para o bem ou para o mal, a mesma postura; o que serve para Antônio serve também para Joaquim. Ponto. Caso contrário, Malufs do futuro continuarão a postar fotos e a sorrir, com ironia redobrada, para novas listas de novos Janots.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
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