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A equação a resolver na lógica das relações governamentais

Carlos Melo

30/11/2018 22h39

Arte: Brasil Escola/UOL


Milton Seligman, Sérgio Lazzarini e Carlos Melo*

(Artigo originalmente publicado no Jota)

Com tantas empresas envolvidas em escândalos de corrupção e relações obscuras com o Estado, estabelecer mecanismos de compliance interno e normas mais estritas para projetos que tenham interface com o setor público virou pauta central na agenda corporativa. Vários grupos, também, reforçam ações de comunicação enfatizando ações filantrópicas ou tentando demostrar como suas ações beneficiam a sociedade. Tudo isto é muito positivo, mas se não amparadas em evidências concretas e bons projetos, essas ações correm o risco de ficar no plano superficial, encobrindo ou mascarando interesses corporativos de sempre – prática que tem sido chamada de impact washing.

A tradição do capitalismo de laços é buscar propostas "ganha-ganha", com a sociedade ficando de fora: ganha a empresa, com benefícios fiscais, crédito ou proteção setorial, e ganha o político, com mais apoio para seu grupo e os mais diversos benefícios pessoais. Mas, a verdadeira transformação requer que as empresas, na relação com o Estado, mostrem com clareza o que a sociedade pode efetivamente ganhar com suas propostas.

Numa nova perspectiva, relações governamentais realmente responsáveis devem se pautar pelo "ganha-ganha-ganha": a empresa estimula adoção de políticas que aumentem sua produtividade e crescimento sustentável; o político aumenta sua reputação ao impulsionar projetos transformadores; e a sociedade se beneficia de ações público-privadas tendo seus impostos gastos com mais critério e maior efetividade, evitando impactos negativos e, preferencialmente, criando efeito socioambiental positivo.

Esse ponto é particularmente importante, pois vai além de apenas inibir a corrupção e proteger a empresa e seus executivos de todo tipo de punição. A nova agenda corporativa deve envolver a defesa de projetos que efetivamente ajudem o País, nesse espírito onde todos ganham sem que alguns ganhem muito mais que outros. É preciso evitar sofismas e farisaísmos, com discursos fáceis apenas na aparência socialmente responsáveis.

Infelizmente, foi o que aconteceu por muito tempo. Por exemplo, apesar de evidências de que o crédito subsidiado do BNDES era usado apenas para reduzir o custo financeiro das grandes empresas, sem correspondente aumento de investimentos e produtividade, várias deles continuaram clamando por mais apoio e até foram contrárias à aprovação do projeto que instituiu a TLP, mudança que coloca como exigência que eventuais subsídios sejam aprovados de forma transparente no orçamento federal. Da mesma forma, várias empresas ainda defenderam o projeto de desoneração da folha de salários, implementada a partir de 2012, a despeito de evidências de que essa política não gerou aumento de empregos — como pode ser visto em recente estudo do IPEA conduzido por Felipe Garcia, Adolfo Sachsida e Alexandre Ywata de Carvalho.

Avaliar os potenciais impactos de políticas defendidas pelas empresas – o último "ganha" que tem sido ignorado nas relações governamentais – demandará uma fundamental mudança na prática de lobby empresarial. Primeiro, não se pode ignorar evidências; se estudos e até o bom senso dizem que determinada política apenas premiará acionistas e políticos parceiros, sem reflexos positivos claros à sociedade, ela deve ser sumariamente descartada, sem subterfúgios ou enganação da opinião pública.

A disponibilidade de dados e o volume de analistas e pesquisadores se debruçando sobre eles para avaliar diversas políticas, com técnicas modernas e robustas tem aumentado sobremaneira no Brasil. Alegações falsas ou oportunistas, cada vez mais, terão vida curta.

Em segundo lugar, mesmo em casos de determinadas políticas de efeito ainda incerto (experiências ainda não sedimentadas no Brasil ou no mundo), será necessário estabelecer prazo para sua duração, com termos explícitos de término caso não obtenham claras evidências de sucesso (as chamadas sunset clauses). É importante evitar casos onde proteções diversas e subsídios persistem indefinidamente, ainda que alocados a empresas e setores que consistentemente falham em demonstrar ganhos de produtividade e inovação.

O país precisa abandonar definitivamente o clientelismo e o patrimonialismo, infelizmente, escondidos nas muitas transações estabelecidas entre a iniciativa privada e Estado, onde agentes econômicos e políticos sorriem enquanto a população, especialmente os mais vulneráveis, carecem de serviços públicos básicos. Se a mudança que se propõe é realmente sincera, basta de tergiversação e justificativas pouco amparadas em fatos e dados. Só haverá um país realmente justo quando todos ganharem; a lógica do ganha-ganha-ganha deve ser a equação a resolver.

*MILTON SELIGMAN,SÉRGIO LAZZARINI e CARLOS MELO, professores do Insper.

Publicação original )

 

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Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.

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