Produto das circunstâncias
Carlos Melo
28/10/2018 11h50
Artigo originalmente publicado no impresso do Estadão, 28/10/2018
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,analise-bolsonaro-e-um-produto-das-circunstancias,70002568790
Antes de tudo, errou feio quem, lá atrás, viu em Jair Bolsonaro uma espécie de Celso Russomanno. Ao contrário do deputado da TV, ele não derreteu com a campanha; o populismo do qual ambos são feitos tem barro diferente. Bolsonaro não é fenômeno de mídia e nem resultado do recallde eleições anteriores. Trata-se de fenômeno com raízes fincadas na formação e na história política brasileira. Era de supor que seria consistente.
Desde sempre o Brasil possui uma direita belicista e reativa nos costumes. Foi assim com o Integralismo de Plínio Salgado, parte considerável da UDN, a Arena, o PDS e o malufismo. Quem não se lembra de Paulo Maluf prometendo "colocar a Rota na rua"?
Em 1998, Maluf era tão relevante que Fernando Henrique Cardoso se submeteu e resignou-se com outdoors ao seu lado, contrariando Mário Covas. Fez isto para evitar riscos à sua reeleição. Com o acaso de Maluf, no entanto, a direita ficou órfã de um político que representasse seus valores e projetos. Os candidatos do PSDB ocuparam esse espaço apenas como inquilinos ocasionais.
Em 2013, a partir das manifestações que contestavam o sistema, o Estado e a qualidade dos serviços, a esquerda e a corrupção, esse setor voltou a se organizar e a enxergar em Jair Bolsonaro um legítimo representante de seus anseios de ordem, resistência cultural e segurança. Bolsonaro, portanto, não brotou do chão.
Outro aspecto que o favoreceu foi pouco a pouco sinalizar para atores econômicos assustados com o intervencionismo estatal e desejosos de uma prática liberal radical na economia. Setores que ojerizam o PT e não mais confiam na força e disposição dos tucanos.
Paradoxal, a mistura liberalismo e nacionalismo se deu na fusão do capitão com o economista Paulo Guedes. Intuitivamente ou não, passou a expressar a agenda que empresários e operadores de mercado ansiavam. Ofereceu energia e ousadia para acelerar reformas cuja trama negociada do presidencialismo de coalizão brasileiro nem sempre é capaz de entregar.
Em paralelo, a Operação Lava Jato que varreu PT, PSDB e MDB. Ao contrário de Maluf, Bolsonaro não carregava forte ônus nesse sentido e pôde se favorecer da indignação popular com a corrupção do sistema. Condições que lhe deram a pista livre para decolar.
Também os erros dos principais adversários ajudaram. Primeiro, o PSDB: na omissão com Aécio Neves, na contaminação com Michel Temer e na campanha de Alckmin que aguçou e esquentou o antipetismo, entregando-o a Bolsonaro, o legítimo e mais feroz antagonista do PT. Depois, na errática campanha do PT, que insistiu com Lula, negou-se a qualquer revisão e anulou Fernando Haddad ao não permitir que ganhasse autonomia.
Por fim, o atentado que lhe retirou do perigoso circuito de debates e críticas que tornam mais vulneráveis os iniciantes como Bolsonaro. Como foi assinalado, ele não brotou do chão: é resultado de uma combinação de fatores. As circunstâncias são mais importantes que os atores.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
Sobre o Autor
Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".
Sobre o Blog
Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.