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O fim do começo e um samba de Paulinho da Viola

Carlos Melo

21/10/2018 20h59

Guernica, por Millôr Fernandes.

O país vive mais um daqueles momentos que, supunha-se, teriam ficado nos livros de história, os quais, pelo jeito, pouca gente lê. Trata-se de mais um daqueles períodos de desacertos, governados pela insensatez e pela incapacidade de diálogo; estimulados por uma incompetência acelerada, uma histeria progressiva. Circunstâncias que denunciam a desigualdade e a dissintonia de informação, verdades e valores entre os indivíduos.

Mais um período difícil que, também, figurará nos livros de história do futuro que, insiste a esperança, as novas gerações lerão e aprenderão, tomando consciência e conhecimento da fragilidade dos pactos sociais, escapando desses ciclos de humores alternados que, ora enxergam em qualquer liberdade a anarquia; ora, na procura de toda ordem, o Santo Ofício — como demarcou, certo dia, Sérgio Buarque de Holanda.

Enfim, de acordo com as pesquisas, a eleição chega à sua última semana praticamente definida, com a vitória de Jair Bolsonaro. A distância do deputado para o petista Fernando Haddad gira em torno de 18 pontos percentuais e, ainda que o Brasil seja o "país dos fatos improváveis", é, com efeito, pouco provável que não resulte na eleição do ex-capitão. A eleição chegará ao fim, mas o conflito talvez se encontre apenas no fim do começo.

O cenário de continuidade parece se armar: Fernando Haddad e seus partidários tentam ainda uma última reação, se abraçando à matéria publicada na Folha de S. Paulo, que dá conta de um esquema entre empresários aliados a Bolsonaro, que teriam financiado a difusão de Fake News, pelo WhatsApp, o que a lei eleitoral veda.

São movimentações de última hora que, independente de gravidade, tendem a influenciar pouco a maioria que parece já ter se definido por Jair Bolsonaro. Seus eleitores mostram-se, mais que tudo, contrariados com o PT e essa contrariedade é, hoje, a maior força política do país, o antipetismo. Provavelmente, apenas o PT não percebeu isso.

Jair Bolsonaro e seu grupo, evidentemente, negam envolvimento com o caso. E a Folha, para além da denúncia, ainda não apresentou provas mais contundentes que hipóteses baseadas no ditado italiano "se non é vero, é ben trovato". É do conhecimento geral que milhões de Fake News, com efeito, inundaram o WhatsApp e há, nas redes, vídeos de diálogos de empresários admitindo o dispêndio de recursos com a campanha bolsonarista. Ainda assim, nada disso pode ser entendido como algo mais que indícios, e até aqui não compõem prova.

O caso seguiu para avaliação e manifestação do Tribunal Superior Eleitoral e para  investigação da Polícia Federal. O mais provável é que não dê em nada, até o dia da eleição pelo menos. Mas, o certo é que ficará guardado como um peso sobre o novo presidente e será, inevitavelmente, explorado por sua oposição. É do jogo. E fossem os outros os perdedores, não fariam o contrário.

Todavia, fatos assim são de mau presságio. Mais uma vez, o derrotado tenderá a não aceitar o resultado do pleito, como foi o caso de Aécio Neves, em 2014. Configura-se uma situação que acalentará a continuidade da crise, o que prejudicará a necessária pacificação do país. Mais uma vez: o fim da eleição será apenas o começo de uma crise ainda maior?

Ações de um lado despertarão a reação do outro. Quando as instituições mostram-se incapazes de conter ânimos, a tentação pelo uso da força é quase irrefreável. Dá-se a esse processo político e social o nome de "escalada". Num otimismo tanto forçado quanto necessário, espera-se que o país não chegue a esse ponto. Ainda assim, é preciso ter conhecimento do potencial do contexto.

Acresce a isto que, no furacão da crise política, será muito mais difícil manter o foco na economia. A dispersão de energia dificulta a boa articulação e o andamento de reformas. E enquanto a questão econômica não for aplacada, a crise política não será mitigada. É um círculo vicioso. O mesmo "não ata nem desata" que envolve o país desde 2014 e que nos trouxe aqui.

O futuro governo, qualquer que seja, terá muitas dificuldades, pois os dois candidatos e as circunstâncias que os envolvem não parecem dados nem à humildade da derrota, nem à grandeza da vitória. O discurso de "unidade nacional" será palavras ao vento se não começarem a atuar políticos hábeis com capacidade de diálogo e negociação entre os campos políticos que se formaram.

O país precisará de bombeiros, que isolem focos e anulem incendiários. Espera-se que o discurso da vitória do eleito, no domingo, seja de bom senso, boa vontade e sabedoria, ouvindo o outro lado; compreendo a diversidade social e política do país como natural e legítima; que aceitos seus argumentos, "não altere o samba tanto assim". Dos derrotados, que façam "como o velho marinheiro que durante o nevoeiro leva o barco devagar".

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

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Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.

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