Não pode ser assim
Carlos Melo
06/09/2018 18h06
Desta vez, foi a facada em Jair Bolsonaro; antes, foram os tiros nos ônibus da caravana do ex-presidente Lula. Lembro-me que na ocasião, Geraldo Alckmin, por exemplo, chegou a afirmar que o PT colhia o que havia plantado. Pois, foi o pouco caso com o primeiro absurdo que levou à radicalização e ao absurdo e meio que é este segundo. Nada disso é admissível, mas processos políticos e sociais, às vezes, podem sair mesmo do controle e transformar aquilo que era ruim em algo muito, muito pior.
Eis o porquê o imperativo do cuidado e da moderação que agentes políticos devem, ou deveriam, ter. Dizia Aristóteles que uma das virtudes do político seria a mediedade, a capacidade de ponderar. Os políticos no Brasil desta quadra histórica rasgaram essa regra. Apostaram na disputa acirrada e agora parecem prestes a perder o controle.
Mesmo aqueles que agora pedem equilíbrio têm responsabilidade em tudo isso quando funcionaram preferencialmente como incendiários, enforcando os bombeiros.
A política, no entanto, foi criada para mediar, para buscar consensos e saídas. Atos de violência são sua negação; são apostas na barbárie – infelizmente, este é o segundo artigo numa mesma semana em que uso o termo barbárie e por motivos diversos. E, não importam quais sejam as armas, facas, tiros ou o discurso de nós contra eles ou a desqualificação pessoal – mais que política — de adversários.
Um clima assim desperta o monstro; o sujeito, louco-maluco, no meio da multidão, alimentado por todas as taras das disputas sem limites, que lança mão de uma arma – imaginem se fosse um revólver – e, se não tira a vida de outro, esmaga a democracia. Como a política se perdeu, voltaremos à era do "olho por olho, dente por dente". Retrocedemos alguns milhares de anos.
Era mais que evidente, era óbvio que um processo como este que o país vive não poderia acabar bem. A disputa política há tempos virou briga de torcidas – Grenal, Fla-Flu, Corinthians X Palmeiras. E como o que se dá no futebol, as piores torcidas organizadas partem para a batalha campal com hora marcada pela Internet. Não pode ser assim. Melhor fechar o boteco do que vender e tomar essa cachaça.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
Sobre o Autor
Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".
Sobre o Blog
Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.