Sob Temer ou Alckmin, o reformismo do Centrão será o mesmo
Carlos Melo
26/07/2018 21h55
Repete-se por aí que foi em virtude do Joesley Day que Michel Temer não aprovou a reforma da Previdência. O dia em que o dono da JBS revelou diálogos íntimos com autoridades, inclusive o presidente, conturbou a cena política nacional e teria alterado a dinâmica reformista de então.Para muitos, tratou-se de um Cisne Negro, a alegoria de um fato inesperado e raro. Mas, não foi bem assim.
Em primeiro lugar, aquele escândalonão pode ser considerado Cisne Negro. Não é novidade, surpresa ou fato inaudito a situação explosiva, o campo minado, em que se transformou o ambiente político nacional; relações perigosas, conluios particulares, nada republicanos, não são incomuns e são até muito frequentes, no Brasil. Sobretudo, nos últimos anos.
Nada garante que, não fosse esse o personagem, não seria outro. A suspeita se justifica: para dar sustentação à desconfiança, está aí o caso dos portos, que também envolve Michel Temer.O fato é que a política do Brasil não para de produzir congêneres de Joesley. Então, por que Cisne Negro? Mais provável é que se tenha tratado de um vulgar pardal urbano.
Não faltou a Michel Temer base política ou conexões nos três poderes que lhe dessem cobertura quando a Procuradoria Geral da República, com toda sorte de protestos e reclamações de membros do Supremo Tribunal Federal, pediu o afastamento do presidente. A coalizão governista na Câmara dos Deputados matouessa bola de fogo no peito. E, por duas vezes, negou a Rodrigo Janot a possibilidade de investigar e processar Temer.
Nesse momento, faltaram à base e ao governo prioridade e interesse de dar apoio às reformas. A confusão veio mesmo a calhar. Fosse, de fato, de urgência fundamental para o governismo, a Previdência não seria preterida. Vida que seguiria… O que se deu, no entanto, foi a troca do essencial pelo acessório: a reforma pela salvação de Michel Temer.
Concretamente, no frigir dos fatos, o ocorrido demonstra a ausência de fidelidade ou identidade programática e filosófica à reforma. Fosse outra sua determinação, os partidos do Centrão — mais o MDB e a maioria do PSDB —, teriam suficientes votos para aprova-la. Onde faltou prioridade, sobrou oportunismo. E isto tampouco é um Cisne Negro.
Assim se deu porque, fundamentalmente, interessava aos partidos da base fazerem-se credores de um governo enfraquecido; retirar do poder Executivo ainda mais recursos e facilidades. Não há inocentes na política. Nesse quadro, coube à Câmara dos Deputados definir os passos do governo e o ritmo das reformas, que ficariam para as calendas gregas, ainda que se preservasse para desavisados a retórica de sua importância.
Foi esta a janela de oportunidade para o Centrão e seus satélites; circunstâncias que os favoreceram. O Joesley Dayfoi um excelente pretexto.
De tal maneira que não se deve esperar desses partidos pactos ideológicos ou compromissos programáticos. Eles funcionam de acordo com interesses específicos e fragmentados de cada grupo que os compõem; aproveitam brechas e, se podem, impõem sua lógica. O que lhes interessa é a unidade, de modo a que possam manter a força, submetendo o poder Executivo — além de apoderarem-se dele. O patrimonialismo tem suas manhas.
Geraldo Alckmin é um político experiente; impossível que não desconfie da natureza do grupo que agora abraça a si e à sua campanha. A adesão que agora oferecem não se prende à ideologias tampouco aos encantos pessoais do tucano. Assim, as reformas prometidas pelo candidato dependerão, antes de tudo, dos interesses de sua base muito mais do que de sua determinação. Não há acordo programático que se coloque acima do velho pragmatismo fisiológico.
Se vier a ser eleito com força, folga e tranquilidade, seu eventual governo talvez consiga controlar o vírus oportunista da base e impor a vontade do governo e as necessidades da economia. Daí, seria possível imaginar um governo reformista, capaz de despertar uma onda otimista, suficiente para alterar expectativas econômicas e incentivar investimentos, inaugurando um círculo virtuoso.
Contudo, de aliados dessa natureza não se pode esperar muito. Se vier a se encontrar em circunstâncias negativas, antes de colher qualquer reforma, precisará ceder quase tudo o que tiver em mãos. Sem oportunidade de formar maioria com outros setores políticos, precisará buscar o auxílio da sociedade.
Mas, aí também podem lhe faltar o necessário carisma e capacidade de comunicação direta com o povo. Não se pode esperar de Alckmin aquilo que sabidamente não possui. Eleito, a vida do ex-governador não será simples ou fácil. Aliás, nem a dele, nem a de ninguém.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
Sobre o Autor
Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".
Sobre o Blog
Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.