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Lula livre ou Lula preso, o inferno não chegará ao fim

Carlos Melo

03/04/2018 23h23

Ilustração para Inferno, da Divina Comédia, feita por Sandro Botticelli

Uma comédia de vários erros, ao longo dos anos, fez com que o processo, infelizmente, chegasse aqui. Incorretamente, o Supremo Tribunal Federal não julgará uma tese — prisão ou não, após segunda instância — o que facilitaria a aceitação do resultado. O STF julgará um casuísmo e como qualquer casuísmo, os remedos saem muito pior que o soneto.

Mesmo que o ex-presidente Lula seja inocente (ou viesse a ser, não entro no mérito), mesmo que não houvesse na Constituição Federal espaço para prisão já na segunda instância, o que será debatido nesta quarta-feira não será uma questão do direito ou das leis. Por incompetência da política e inabilidade dos juízes, esvaziou-se o conteúdo jurídico da questão. O que será debatido é o caso de Lula.

Assim, ao final do julgamento do pedido de habeas corpus, não haverá resultado bom e, óbvio, veredito que agrade a todos. A parcela dos contrariados e descontentes será tão grande quanto barulhenta, com facções revoltadas, descrentes da Justiça, desconfiados das instituições. De militantes a militares, todos se darão ao direito de discordar. Deus dirá se se darão à tentação de desobedecer.

Preso, Lula será mártir para seus pares e defensores revoltados, bode expiatório de todos os males do sistema político. Livre, seus desafetos o qualificarão como símbolo de um acinte; exemplo do "grande acordo nacional para estancar a sangria", na profecia autorrealizável de Romero Jucá. A azeitona de uma grande e indigesta pizza. Não há resultado bom.

O máximo que poderemos desejar é que venha a ser, pelo menos, justo. Ainda assim, mesmo para isto, no íntimo de cada um, não haverá consenso. Com sorte, a história daqui a muito anos fará seu balanço a partir de perdas e ganhos, efeitos e consequências.

A possibilidade de o Supremo Tribunal Federal sair deste processo sem contestação será muito pequena — para não dizer nula. A chance de sair menor é enorme. O STF está dividido e mais clara ainda a divisão ficará. No mais, perderá a aura da "suprema" corte; última palavra. Também aí sucedeu-se uma comédia de erros.

A começar pela condução do processo, pela sua presidente, ministra Cármen Lúcia: centralização, resistência em dialogar; ao mesmo tempo, hesitação e paralisia. Perdeu-se o timing da discussão da tese, enveredou-se para o casuísmo. Com a presidente, a nítida impressão de não saber o que fazer. E o que lhe restou, foram mesmo platitudes sobre calma, prudência e respeito à lei. Tão lacônico quanto patético.

O STF esgotou sua margem de erros e restringiu suas possibilidades de acerto. Nem mesmo o Rei Salomão sobreviveu em seu espírito, pois, neste momento, é bem possível que mães preferissem ver os filhos cortados ao meio do que ceder ao inimigo que se construiu no imaginário político.

Tergiversando, o ministro Gilmar Mendes diz acreditar na pacificação, após o julgamento. A opinião é tão legítima quanto conveniente. Sua excelência se diz preocupado com os destinos do país — e com a porta de alçapão que se abriria para a boiada rumaria ao claustro, na sequência da condenação de Lula. Ok, há quem acredite no boi-da-cara-preta como modo de ninar os filhos. De acordo com seus interesses, cada um constrói a fantasia mais adequada, como essa da "pacificação" a partir do Supremo ou a partir da eleição.

A realidade é que nada parece tão simples assim. A corda que Gilmar e outros defensores bissextos da pacificação ajudaram a esticar ao longo dos anos pode se romper com um abrupto solavanco para os dois lados do cabo-de-guerra, que já não conseguem negociar trégua ou armistício que, ironicamente, ambos necessitam.

A disputa pelo poder no Brasil foi longe demais. A polarização eleitoral das últimas décadas gradativamente estabeleceu um vale-tudo. Tudo era permitido: da vitória eleitoral a qualquer custo; das finanças partidárias ao patrimonialismo; do debate emocional à manipulação de informações; da corrupção à mais recente violência. O sistema ruiu sem que a sociedade soubesse o que colocar no lugar.

Na era do compartilhamento e das redes, já sem censura ou lideranças, despertou-se o monstro da opinião pública que já não pode ser pacificado. Consolidou-se o divórcio entre política e sociedade; sofrem seus filhos. Em lados opostos, radicalizadas as partes são incapazes de compreender o processo, elaborar os motivos da divergência. Admitir a existência do outro. O inferno sempre será os outros. Lula livre ou Lula preso, não haverá mensagem de esperança e otimismo.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

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Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.

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