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O Brasil não é nem para os experientes

Carlos Melo

22/03/2018 20h19

Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Curioso o país em que a "última instância", o Supremo Tribunal, a mais elevada Corte, não consegue decidir. E quando decide, resolve, por fim, não decidir. Apenas delonga-se o tempo e a agonia. Foi o que se deu na tarde e começo de noite desta quinta-feira, quando o país parou para conhecer o destino do ex-presidente Lula e ficou, porém, em suspenso.

O tribunal decidiu não decidir, pelo menos até 04 de abril. E nada garante que então o faça. O Brasil não é nem mesmo para os experientes.

São os rituais da Justiça e as idiossincrasias do Supremo Tribunal Federal (STF), ¡por supuesto! De fato, suas excelências falam muito, rodeiam, não primam pela objetividade, se perdendo em rapapés e adulações mútuas. Frases de erudição desnecessária, elogios ao "acento perfeito", em francês, do advogado de defesa; considerações sobre as decisões do passado; estocadas implícitas e cotoveladas explícitas.

Essas cortes são mesmo assim, alguém dirá. E é um avanço. No passado, usavam perucas e pó-de-arroz. Hoje, apenas a toga. Tudo é ainda bastante performático. Com a transmissão ao vivo pela TV, então, a vaidade aflora.

Todavia, não é apenas isso tampouco. O que se viu no julgamento que nada julgou — que somente decidiu que aceitaria e, depois, julgaria o Habeas Corpus, foi um clima de muita dor, ressentimento e cautela. Os ministros andam machucados com suas escaramuças. O Brasil também se machucou com elas.

Como escorpiões, os magistrados se examinam, se rodeiam e se acautelam uns dos outros. O tribunal, como se sabe, está dividido. O que, em si, não seria problema. A divisão interna não é um mal. O mal, em si, é a falta de unidade.

Pois, pode-se conviver com frações e divergências internas, mas não se pode lidar com esgarçamento de um corpo tão necessário quanto uma suprema corte. Pode ser apenas impressão, pode ser má vontade, pode ser ignorância de quem não transita no Judiciário brasileiro, mas a percepção que se tem, hoje, do STF é que não há "liga", não há argamassa que unifique seus membros, sem identidade e coesão mínimas. Não, eles não precisam ser amigos. Mas, o alargamento do diálogo é imperativo.

Sinal dos tempos. O clima político e das instituições brasileiras, de um modo geral, é esse mesmo: esgarçamento. Teóricos chamariam a isto de anomia, o pesadelo dos sociólogos. Pode ser. Ou pode ser exagero. O fato é que muito do que o país vive não tem definição clara. O pior da nossa crise não é sua continuidade, sua longevidade, mas a falta de clareza quanto à sua natureza. É política ou é mais que isso: faltam referências que possam identificar e unificar a nação? Perdeu-se a capacidade de empatia?

O fato é que a instituição que tem como tarefa ser "a última instância" parece incapaz de decidir. Sim, o STF vive um momento de vazio de liderança. Infelizmente, Cármen Lúcia não está à altura do desafio. Mas, para sermos justos com Cármen Lúcia, com a história e com o futuro, quem estaria à altura desse destino?

A crise vai assim fragmentando os espaços de coesão: o Congresso, os partidos, o Judiciário… E isto tudo afasta a sociedade das instituições, como se ambos fossem seres estranhos. Estrangeiros no lugar e no momento.

Uma das imagens mais duras dos últimos tempos foi, na semana que passou, milhares de pessoas nas ruas em protesto pelas mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes e, ao mesmo tempo, os magistrados do Brasil que ocupavam os salões em Brasília em defesa do auxílio-moradia. Interesses de grupos nos apequenam a todos.

Nada disso parece fazer sentido. Estamos num labirinto sem saída, expostos ao Minotauro. Não há Teseu, não há Ariadne; não há coragem e nem sagacidade. Estamos definitivamente perdidos? Cedo para dizer. O certo é que se delonga agonias e protela-se o destino. Não se trata de Lula, mas da necessidade de retirar logo essa pedra da bota, e seguir andando. Andar para onde, José? Historiadores e politólogos do futuro o dirão.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

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Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.

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