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Do presidencialismo e da coalizão

Carlos Melo

08/02/2018 21h13

Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Na tentativa de compreender e explicar a crise, tem sido comum que nos últimos anos se evoque o presidencialismo de coalizão como origem dos males do país. O termo ganhou a pista e se expandiu; é utilizado sem cerimônia, de forma muitas vezes rasa e equivocada.

Mas, para sair do fosso em que o sistema político se encontra, será necessário, porém, fazer um bom diagnóstico da situação, compreender a forma concreta da organização politica no Brasil, sem confundir termos ou recorrer a clichês.

Como conceito, o presidencialismo de coalizão nasce em 1988, quando o cientista político Sérgio Abranches, buscava compreender modo e discutir consequências da forma como o presidencialismo se organizara no passado e tendia a se organizar a partir da nova Constituição que em breve seria promulgada. "Por falta de melhor nome", diz Abranches, surgiu o termo.

Ao longo do tempo, a questão despertou um longo debate na academia, há uma vasta literatura e correntes contrárias debruçadas sobre o tema, em seu pesar ou em seu louvor. Para uma parte de politólogos, ele funcionou e ainda funciona satisfatoriamente — basta verificar os números; salvo exceções, os governos formam maiorias. Os erros derivam exclusivamente da incapacidade de seu manejo, por parte do governante.

Para outros, o presidencialismo de coalizão adquiriu vida própria e especificidades no Brasil, como uma espécie de jabuticaba. Ao longo do tempo, descambou para o vício.

Peculiaridades do caso brasileiro à parte, o fato é que a lógica é muito simples, repete-se em vários lugares do mundo. Em qualquer regime democrático, cujo poder é compartilhado por três esferas formalmente autônomas, haverá necessidade de algum tipo de arranjo entre os poderes Executivo e o Legislativo; o primeiro precisa contar com maioria no segundo de modo a que possa governar com o menor risco de abalos.

O fato é que muito raramente o governante será eleito com maioria assegurada no Parlamento. O normal é que mesmo antes da eleição, os partidos já se preocupem em buscar alianças e coligações que tendem a permanecer no governo, em caso de vitória. O básico é que se discuta essas aproximações com base em ideologias e programas de governo; no mínimo, com uma agenda política.

Nesse sentido, o presidencialismo de coalizão não é nem um bem nem um mal, em si. Maiorias são necessárias e sua busca é normal. Logo, trata-se apenas de um método que visa garantir a governabilidade. De modo que, assim, compreendido, não há porque demonizá-lo ou endeusá-lo. Tudo dependerá da dinâmica que será implementada em torno dessa coalizão.

É evidente tanto quanto normal que a coalizão se reproduza na formação do governo, que será composto a partir da proporcionalidade das bancadas partidárias ou por critérios regionais. E, assim, partidos que se dispõem a dar sustentação aos governos no Parlamento, também ocuparão espaços no gabinete do presidente, dirigindo ministérios e empresas estatais.

É aí onde mora o perigo e a coisa pega.

Ao longo do tempo, de modo gradual e consistente, questões ideológicas e programáticas foram abandonadas ou, no máximo, serviram de biombo para interesses localizados. Mesmo as agendas surgem mais como remendos do que como medidas preventivas, de olho no futuro. A negociação, praticamente, se resume a cargos, emendas e, sejamos francos, esquemas.

Tanto o presidencialismo quanto a coalizão revelam uma face cínica.

Não cabe idealizá-los, sistemas políticos são produtos concretos da realidade. Tolice pensar em transportar métodos de um sistema hipoteticamente perfeito para as condições brasileiras. Ainda assim, não é impossível reformá-los; corrigir e mudar sua feição. Instituições tendem ao aperfeiçoamento, aproveitando-se, inclusive, dos erros do processo.

O mais provável, porém, é que da próxima eleição não emerja um Legislativo substancialmente diferente do que aí está. As normas do sistema eleitoral não mudaram significativamente, o recrutamento e a oferta de candidatos são os mesmos. Dado o desalento com a política nessa quadra histórica do Brasil e do mundo, as condições para imposição do novo são precárias.

Ainda assim, esta seria uma boa pergunta aos candidatos à presidência da República: se forem eleitos, pretendem formar coalizões em quais bases, por quais princípios? Reproduzirão o modelo por inevitável ou estabelecerão, de verdade, um novo tipo de relação? A qualidade da coalizão depende muito da qualidade do presidente.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

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Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.

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