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O strike que atingiu Temer, Aécio e Lula

Carlos Melo

27/09/2017 08h47

Numa mesma tarde, quis a sorte que a ironia fizesse um strike. No boliche da política nacional, os três caciques dos principais partidos foram atropelados de modo tão contundente que, fosse outro o país, eles se retirariam da pista. Seria o bastante para que se afastassem da vida pública ou dela fossem afastados pelos mecanismos da democracia e da cidadania. Fosse outro o país, Congresso e partidos iniciariam processo de profunda revisão.

Vexame por vexame, cumpre recuperar os fatos:

No Plenário da Câmara dos Deputados, foi lida a segunda denúncia que pede o afastamento do atual presidente da República; a primeira turma do STF, decidiu afastar do Senado o presidente, já afastado, do PSDB que, de certa forma, cumprirá uma espécie de prisão domiciliar; em carta, Antônio Palocci expressou a mais profunda denúncia contra o ex-presidente Lula, numa demolidora crítica a seu partido.

Michel Temer, Aécio Neves e Luiz Inácio Lula da Silva, novamente, estão na berlinda e isto nem mais é novidade. Mas, é irônico que numa única tarde o constrangimento os tenha abraçado simultaneamente. No calendário da crise nacional, já não há mais folhinhas para agendar um escândalo por vez.

Por mais que dê voltas, Michel Temer não consegue explicar sua estupenda vocação para se cercar de gente enrolada por fortunas em malas; esquemas à luz do dia e encontros na calada da noite. É necessário demasiada vontade de ser cego para não enxergar que, mais que perigosas, as ligações do presidente levantam suspeitas e denunciam posturas que pedem investigação urgente, para o bem do cargo e da democracia.

O constrangimento é tanto que indigna gente séria e já leva as tais cassandras, que pareciam extintas, aos quartéis. Só mesmo o Centrão e seus satélites, num espetáculo de cinismo e desfaçatez, para colocar peneira sobre esse sol.

Em relação a Aécio Neves, o STF apenas restituiu sentido à realidade, recolocando o escândalo — que a distância já relegava ao esquecimento — no lugar que merece. Não há como explicar a conexão de um senador da República com um empresário que seus próprios aliados hoje chamam de canalha. Difícil engolir que prepostos seus sejam pegos por aí com malas de dinheiro vivo advindas de Joesley Batista e isto signifique nada.

Já Antônio Palocci fala por si, dada a importância e o papel que um dia teve no governo e no PT; é mais nocivo que Sérgio Moro. O ex-ministro privou, sim, da confiança e da intimidade de Lula e sua carta é, antes, um apelo à racionalidade. Qualificá-lo como traidor é resposta burra: menos que vitupério, confissão de culpa. Já tratá-lo como mentiroso é abusar da fé até mesmo dos ignorantes e assumir de vez a pecha de "seita guiada por uma pretensa divindade" que, como diz Palocci, o PT se transformou.

Mais valeria admitir os erros e abrir as janelas. Como já se disse, a luz do sol é o melhor desinfetante. A vida pede para continuar.

Se nos tribunais o pior réu é o confesso, na política existem fatos que não há como negar. O julgamento se dá por dinâmica própria: lenta, silenciosa, mas inexorável. Um dia tudo se revela. Há momentos em que a intransigência deixa de expressar lealdade para se denunciar como cumplicidade. A negação do óbvio não esconde a indulgência; a fidelidade canina leva ao apequenamento moral e à contaminação espontânea.

O strike não se resume aos três caciques. Expressa, antes, a ruína de um corpo que, ulcerado, se decompõe; um todo que definhou e agoniza. Um sistema político que carece se reinventar. A demora em assumir a realidade dos fatos não apenas arrasta a agonia, como alastra o mal. Gera demagogos populistas, salvadores da pátria; candidatos a Bonaparte. O que resta de saudável no sistema precisa compreender o sentido desse strike como destruição criativa.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

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Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.

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