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O diálogo entre Rodrigo Maia e Fernando Haddad

Carlos Melo

29/08/2017 09h17

Oração no Muro das Lamentações, na Cidade Velha de Jerusalém — Baz Ratner – 04.set.2013/Reuters

Limites históricos são intransponíveis, um muro de aço definido pela política contra o qual a vontade nada pode. Um paredão imponente que intimida a utopia e afugenta os ideais. Restando apenas a mediocridade das condições mais gerais e a impotência individual diante da resistência coletiva. A esperança até se quer acreditar como uma lebre, mas a conjuntura avança é mesmo em passos de cágado.

É o que ocorre hoje com a chamada reforma política: não é reforma coisa nenhuma; quando muito, é um remendo possível no sistema eleitoral que já não consegue ser representativo; aquilo que se tem para hoje, resignada a vontade de buscar avanços mais significativos para um todo complexo que faliu. A sociedade se afasta: mesmo com voto obrigatório, muitos se abstém; viram as costas. Sem ovos, não se faz omeletes.

Promovido pela Revista Época e pelo Insper, o encontro entre o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), e o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), ocorrido ontem, pode ser resumido desse modo: vive-se um momento de estreitamentos de históricos que não permite arroubos retóricos e nem saídas mágicas. Não adianta sonhar; a realidade se impõe sem mistificações. Se o país, um dia, sair do escuro labirinto, será mesmo tateando as paredes que o cercam.

Assim, embora cordatos e contidos por temperamento pessoal, Maia e Haddad teriam tudo para divergir; teriam estímulo, até, de suas bases que foram ao encontro meio que supondo um embate entre o PT e o Dem, entre esquerda e direita. Mas, não foi isso o que se viu: não há muito o que discutir e discordar diante das evidências. O desabrido confronto das redes sociais não mora no peito de quem, de fato, tem responsabilidade.

De modo que, em vários aspectos, Maia e Haddad sintonizaram seus ponteiros mais por realismo e falta de opções do que por vontade pessoal ou interesse político.

Seja pelo Distritão, que não é o sistema dos sonhos de Maia, seja pela manutenção do sistema proporcional que também não encanta Haddad, ambos concordaram que não há condições políticas na Câmara para avançar, já, na direção do voto distrital misto — sistema preferido por ambos; "menos ruim" que os demais, uma vez que os méritos do distrito amenizam os problemas do voto proporcional e vice-versa.

Igualmente acreditam que o voto em lista fechada, que mutuamente os agrada, não será possível diante das agruras do momento e da miséria do debate que o inviabilizou — embora lhes pareça o mais razoável e o que mais valoriza a vida partidária. Entendem que, destroçados, os partidos, todos, precisam se reinventar. Mas, que nada disso é permitido pelas circunstâncias e pelos interesses circunstanciais de direções e caciques partidários. Partidos possuem donos e eles falam alto, no Congresso.

Presidente da Câmara, Maia afiança que não há maioria para aprovar medidas de avanço significativo em ritmo expressivo. O deputado resigna-se; sabe que não conduz processo algum, não possui liderança nesse nível; apenas coordena os trabalhos da mesa diretora — também ele o possível para o momento.

E, assim, tudo se fará com lentidão, na calma modorrenta e temerosa de seus pares, que defendem os próprios interesses, mantendo os mandatos e não se sujeitando à sorte de regras mais transparentes e democráticas, abertas à concorrência, colocando em pé de igualdade todos os que postulam espaços no Parlamento.

A fatalidade disto tudo reside, porém, num fato simples: divorciado do mundo, o sistema foi deixado a própria sorte e ao sabor dos próprios interesses. A lógica de Maia e Haddad não consegue pressupor a erupção da sociedade em meio a este processo. Não haveria modo de forçar mudanças mais radicais, em movimentos abruptos; não pressentem, em seus raciocínios, a pressão social, o abalo vindo do ronco das ruas; a alteração de lógica imposta de fora para dentro do sistema.

Não pressentem porque não há o que pressentir. Se nada disso enxergam é menos por falta de vontade do que pela mera constatação de que, nesse momento, existe pouco de sociedade em tudo isso. Pela evidência de que, de um modo geral, as pessoas comuns e mesmo agrupamentos de elite voltaram as costas para a política, ignorando solenemente um sistema que, é verdade, não os representa.

Não se compreende que a negligência é uma espécie de bumerangue que sempre volta à testa. Um tijolo atirado por um imbecil que manuseia o estilingue em sentido contrário.

No diálogo cordato, nas grandes convergências e nas pequenas divergências entre Rodrigo Maia e Fernando Haddad, há crítica e resignação de ambos, diante do muro de aço dos limites históricos que implicitamente reconhecem. E, aparentemente, não há neste momento nada que o possa ultrapassar. O que poderiam fazer um e outro a não ser tentar reordenar as coisas no porão? Ainda assim, é preciso encontrar uma fenda no paredão.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

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Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.

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