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Fatos novos que reproduzem a marmota de sempre

Carlos Melo

04/07/2017 09h31

Andie MacDowell e Bill Murray em cena de "Feitiço do Tempo" (1993)
Imagem: Divulgação

A prisão de Geddel Vieira Lima é mais uma flechada no São Sebastião sangrado em que se transformou o governo Temer. Piora a situação, é evidente; mas, não constitui surpresa: o ex-ministro já antevia sua sorte e, ao que consta, tentava bloquear a Justiça. No Planalto, seu efeito máximo foi aumentar o temor pelos seus: a fila anda e o governo se preocupa com Eliseu Padilha e Wellington Moreira Franco, diz o Estadão.

Também a prisão de Jacob Barata Filho, no Rio de Janeiro, não implica em novidade: finalmente, a polícia chegou a um dos esquemas de corrupção mais manjados nos municípios, os transportes públicos. Como todos os setores que se envolvem com o Estado, este também começou a desmoronar. É mais um e é bom que assim seja. A questão é que esse processo parece não ter fim. No longo prazo, talvez, se construa o novo; o problema é que no presente só se vê o passado — um museu de grandes novidades que pode comprometer o futuro.

Com menos graça e inteligência que numa comédia, a conjuntura nacional pode ser comparada a um blockbuster americano, chamado "O Feitiço do Tempo" (ou "O Dia da Marmota"). O filme, de 1993, retrata uma situação cômica em que o mesmo dia se reinicia a cada manhã; dezenas de vezes, cenas e situações se repetem e a confusão aumenta. Todavia, ao dar-se conta do fenômeno, o protagonista (Bill Murray) se ajusta, corrigindo as interações ao longo processo. Ao final, transforma-se num sujeito melhor e conquista o coração da mocinha (Andie MacDowell).

Já o Brasil de Geddéis e Baratas parece condenado à mesmice maldita mesmo: cenas de prisões e escândalos de corrupção se sucedem, como capítulos repetidos de uma novela que se arrasta. Os personagens insistem no velho enredo; a situação só piora. Desatento, o cidadão não percebe o feitiço que o domina: rostos mais ou menos conhecidos repetem desculpas, com sinais trocados; as condições gerais se deterioram. Nada de glamour hollywoodiano; trata-se de um filme B, de terror banal e sem fim.

Quando não é Eduardo Cunha, é Lúcio Funaro; quando não é Rodrigo Rocha Loures, é Henrique Eduardo Alves; quando não é o próprio Michel Temer, é Geddel Vieira Lima. Quando não é João Vaccari, é Antônio Palocci; quando não é Lula, é Aécio Neves. Todos enredados no roteiro que aos poucos ficou desinteressante. A polícia prende, os juízes liberam; a polícia torna a prender, novos prisioneiros ocupam as mesmas celas. Na infecção intestinal do país, prisões e solturas se alternam.

Sujeita à disposição dos protagonistas da política, a sociedade queda paralisada. À piora das condições fiscais e econômicas, se junta o agravamento de questões sociais: desemprego, endividamento, serviços públicos de péssima qualidade, violência rural e urbana; crianças baleadas no ventre da mãe.  Ninguém sai às ruas — até porque não se acredita que resolvam; os movimentos de ontem mostraram que não tinham amanhã. O rancor da sociedade é, porém, guardado na geladeira para ser usado em outro momento.

Pesquisas divulgadas nos últimos dias demonstram que a desolação pode não ser um sentimento apenas estéril: ela evolui em revoltas subjetivas e protestos calados que somente mais tarde poderão explodir, se não nas ruas, nas urnas. Sem centro político, a polarização está posta. Oportunistas de qualquer canto e populistas de todos os matizes se movimentam pelo melhor lugar no grid de largada de 2018.

Na Câmara dos Deputados, como antenas, os parlamentares captam esse sentimento geral. Não o reproduzem como representantes da sociedade e, assim, tampouco se mobilizam pela solução do problema — à maioria falta estatura. Mas, se organizam em virtude do cenário que vislumbram: novas solturas e novas prisões; o labirinto sem saída; a fúria das ruas, o populismo e o oportunismo eleitoral. Correm recolher raspas e restos do governo; sugam o bagaço dos recursos. Acordos só os pontuais; amanhã tudo se repetirá. Os urubus pressentem a carniça.

Michel Temer não tem, desse modo, quem o defenda; há uma debandada em sua base. No pronunciamento que fez em sua defesa, o presidente atrasou o relógio à espera do público que não veio. Até os áulicos se escondem. Torce, assim, para manter meros 172 votos ou omissões suficientes apenas para que ganhe tempo, arrastando o jogo que não tem futuro. Mas, sabe que em três votações nominais, entremeadas por desgastes sucessivos, será difícil se segurar.

Dilma Rousseff repetiu Fernando Collor; a possibilidade de Temer seguir o destino de Dilma está posta. Se isto ocorrer, virá Rodrigo Maia e, depois dele, outro e possivelmente mais outro. O elenco de atores e personagens é limitado; sem renovação, o roteiro não evolui. Os protagonistas desse filme ainda não o compreenderam; não se corrigem, cometem os mesmos erros. Enquanto isto ocorrer, reproduzirão o mesmo dia e a mesma marmota.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

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Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.

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