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Antes dos nomes, será necessário definir critérios

Carlos Melo

24/05/2017 08h46

Interior da Catedral Metropolitana em Brasília brilham os vitrais pintados por Mariane Peretti,os anjos flutuantes de Alfredo Ceschiatti e a via-sacra de Di Cavalcanti — Imagem: Werner Zotz/Divulgação Embratur

A terra continua em transe e a política no Brasil é só vertigem, tensão, indefinição. Mente quem diz saber onde canta o galo e no que tudo pode resultar. As principais varáveis saíram do controle, perdeu-se racionalidade e há inúmeros fatores de incerteza. Os protagonistas são inábeis para extrair o tumor sem deixar sequelas. No mais, da Lava Jato sempre poderá irromper mais um vulcão.

Michel Temer afirma que não renunciará; antes, prefere ser derrubado. A batalha só está perdida quando se ergue bandeira branca; o presidente ganha tempo, até para negociar melhor a saída. Que moribundo descrê de milagre? Todavia, o agravamento da situação fica evidente: a confiança de que o presidente reagirá é, a cada dia, mais tênue. Mesmo desqualificando o mensageiro, o governismo não consegue apaga a mensagem: os detalhes do encontro com Joesley Batista levarão a vida toda para explicar.

O presidente já não governa, apenas cuida de sua defesa: articula apoios e jantares em que vai ficando só. No Congresso Nacional, não há ordem unida, nem controle. No front das reformas, o cronograma se perdeu. Na economia, reversões de expectativas são preocupantes. Pior que o temor da deterioração do ambiente é a sensação de que o ambiente de fato se deteriorou. Já haveria vazio de poder?

A céu aberto, se discute o nome que substituirá Temer. Jornalistas especulam; caciques partidários cogitam; empresários, em desespero, questionam: qual é o nome? Ansiedade e precipitação ampliam as possibilidades de erro. Colocar a carroça a frente dos bois, discutir nomes e não critérios, talvez seja o primeiro deles. Os critérios, contudo, dependem da consciência dos problemas.

Necessário ir às causas estruturais da crise. Os problemas não estão apenas em Temer; como não estavam exclusivamente em Dilma, não estarão só em Rodrigo Maia. Na internet, já há meme "Fora Maia" — não apenas por sarcasmo, mas também pela evidência estrutural dos problemas. Troca-se moscas, nomes se sucedem e o país continua na mesma.

O sistema deixou de funcionar: o presidencialismo de coalizão baseado no fisiologismo chegou ao colapso. O tradicional modo de financiamento da política chegou ao esgotamento — o patrimonialismo matou a galinha dos ovos de ouro. O mal corporativista está ativo e oculto; uma terrível crise de liderança revela o desgaste dos materiais e a falta de renovação.

A crise econômica é resultado de um pouco de tudo; omitir sua natureza política, não dissipa os problemas, apenas prolonga o drama. Confunde-se efeitos e causas, se quer amenizar a dor, mas se não se vai à doença. Nomes com foco específico nas reformas econômicas — Maia ou Meirelles —, não compreendem a natureza política da crise; são incapazes de superá-la. Tornam-se água que vai à chama, não à origem do fogo. Quer-se baldear um naufrágio com as mãos.

Os critérios deveriam ser claros: primeiro, a obediência à Constituição; depois, não bulir com a Operação Lava Jato —  nos limites da lei, ela pode levar a ajustes na relação público-privado. Ao mesmo tempo, necessário preservar Meirelles e a área econômica — tudo o que o país não precisa é de mais incerteza e a sensação de ainda maior amadorismo.

Importante comunicar a gravidade da situação: o governo quebrou, não há soluções simples; mostrar os dados, persuadir sem cooptar — tudo o que Temer foi incapaz de fazer. No mais, a concertação dependerá do distensionamento político: reduzir os conflitos a patamares civilizados; tolerância e pacto de convivência democrática. Reconfigurar o sistema político. Correndo tudo muito bem, avançar na agenda de reformas econômicas.

O certo é que não se deveria começar pelos "poréns", críticas e defeitos do possível sujeito. Com vetos e restrições, não se chegará a indivíduo algum. Deve-se partir dos "contudos": em que pese imperfeições e poréns, o nome, contudo — não obstante, ainda assim — será capaz de identificar causas, respeitar critérios, formar boa coalizão, dialogar, comunicar, articular consensos possíveis? O país chegará a bom termo, em 2018?

Chega-se ao ponto: qual seria o Hércules — raro no mundo contemporâneo — capaz de superar esta dúzia de trabalhos? Definida a gramática, qual a prosódia da concertação: a determinação gaúcha de Jobim ou mansidão cearense de Jereissati?

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

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Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.

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