Topo

Histórico

Categorias

Blog do Carlos Melo

O pragmático esperar

Carlos Melo

13/07/2018 10h51

Caipira Picando Fumo — Almeida Junior

O leitor que procure saber como se faz — "tem no Youtube". De todo modo, no folclore do rural se diz que "tatu velhaco entra de costas". Assim o faz para não ser pego de surpresa, exposto pelo rabo, posição que o deixa mais vulnerável. A precaução é um instinto; sua natureza. Os mais safos políticos também agem desse modo. Em momentos de perigo, cavam tocas, protegem a retaguarda, postam-se de frente de modo a melhor observar; preparam a mordida.

Em tempos normais, passada uma Copa do Mundo que não deixou memória nem euforia, as convenções partidárias estariam todas marcadas, com alianças e coligações basicamente fechadas. No mínimo, bem adiantadas. Mas, nesta eleição, tudo é diferente. Como a incerteza e perigo rondam os políticos, a prudência e o oportunismo recomendam cautela. Exercer opção antes do tempo político é erro de principiantes.

O contrário, no entanto, exige cálculos sofisticadíssimos que apontam ser este "momento de aguardar". Esperar novas pesquisas, pesar números e posições.

Engana-se quem acredita que o móvel mais comum da ação política sejam abstrações como "o bem comum", a "unidade" do centro, da direita ou da esquerda ou a tal da "racionalidade econômica". As questões das mais comezinhas disputas políticas são sempre muito concretas e a racionalidade da política é distinta e particular: cada grupo avalia seus próprios interesses e, dentro dele, cada indivíduo planeia seu destino. Simples, assim e assado.

Também os palanques regionais estabelecem-se desse modo: interesses locais acima de abstrações nacionais. Primeiro, é preciso manter a província, lócus do clientelismo ordinário e fonte do poder na corte. Depois, avalia-se quais alianças nacionais trazem maiores ganhos ou menores desgastes.

Quem salta questões estaduais e atira-se direto na luta nacional é porque, sejamos francos, não tem poder local a preservar. É assim que funciona.

Na eleição mais ampla e visível, a de presidente da República, todas as questões acima são consideradas. Os riscos, as vantagens. A manutenção do status quo, a possibilidade de avançar, o perigo de perder. A frieza estratégia que é ao mesmo tempo a arte da guerra. Logo, a consolidação de alianças com candidatos nacionais depende de questões e interesses concretos, que na maioria das vezes não se prendem à abstrações ideológicas.

Pode-se, então, começar a compreender o porquê de partidos do chamado "Centrão", que se apropriaram de recursos e poder sob Michel Temer, se aproximarem de Ciro Gomes ao mesmo tempo em que se distanciam de Geraldo Alckmin. O primeiro, um crítico mordaz daquele condomínio; o segundo, presidente do PSDB que, bem ou mal, esteve na linha de frente com eles no impeachment e no governo do MDB.

A explicação é simples. Primeiro, o bonde de Ciro parte agora e é impossível prever se haverá lugar, depois, caso vença a eleição. É melhor garantir o ticket já. Além disso, há pressões regionais, no Nordeste, para apoio a Ciro, um político da região, mais bem aceito que Alckmin, um ser de um planeta quase à parte chamado São Paulo.

Já com Alckmin, na eventualidade de vencer a eleição, a guarida é certa. Obrigatoriamente, governará com gente "de casa", não terá esquerda ou direita a quem recorrer. Também a eficácia de um apelo ao povo, com sua limitada capacidade de comunicação, é duvidosa. Logo, as cadeiras são, ao seu modo, cativas.

Ademais, o tucano, pelo menos por ora, não anda nem desanda nas pesquisas e, até aqui, tem demonstrado pouco potencial para decolar. Dada a visibilidade que possui e a máquina que controla, Geraldo Alckmin deveria gozar de maior conforto, sobretudo em seu estado. Mas, não tem sido assim. Apostar que será diferente, fiando-se em dinâmicas do passado, é temeridade para políticos pragmáticos.

Além disso, o tucano carrega nos ombros o peso de mil desgastes: o ônus do impeachment, o ônus de Aécio Neves, de Eduardo Azeredo, de Paulo Preto, da escolha e renúncia de João Doria, do governo de Michel Temer e sua montanha de escândalos. Justa ou injusta essa fama — Alckmin tentou manter certa distância disso tudo —, em ano de eleição, o mau humor do eleitor e o ressentimento dos adversários fazem pingo virar letra.

Difícil desvencilhar-se desses sinais e dos respingos do processo recente quando há tantos erros não compensáveis por tão poucos acertos. Para reverter esse quadro antes da convenção, garantindo uma mais ampla coligação, Geraldo Alckmin precisará de um fato novo muito mais relevante que promessas.

Não basta anunciar o apoio do PSD de Gilberto Kassab, político de São Paulo. Já estava no preço, o contrário é que surpreenderia. Difícil de imaginar algo mais robusto que isto, com o impacto e no tempo certos. Assim, por mais alguns dias, na natureza que os domina, políticos a "entrar de costas".

(No próximo artigo, a mesma lógica na esquerda e no PT.)

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.