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Blog do Carlos Melo

Economia e eleição

Carlos Melo

22/05/2018 10h34

Imagem: Marlene Bergamo/Folhapress

Desde os primeiros flertes com o impeachment de Dilma Rousseff, Michel Temer, seus aliados e entusiastas prometiam que a economia estaria "bombando", neste maio de 2018. O país ressurgiria das cinzas e o nome do candidato do governo, é claro, seria barbada na corrida eleitoral. O bem-estar econômico esvaziaria a crise política, enterraria a Operação Lava Jato e, num grande acordão — "com Supremo e com tudo", na voz de um de seus profetas — a paz se estabeleceria.

Ao longo destes dois anos e pouco, foram difíceis os debates que pretendiam discutir cenários para a eleição. A crença na recuperação econômica mostrou-se um ato de fé e nada era mais antipático do que duvidar das "boas-novas" trazidas por novos reis magos, como Henrique Meirelles e seus tietes do mercado. O discurso embutia grande dose otimismo injustificado; todavia, após da tempestade  provocada por Dilma, viria a bonança patrocinada por Michel Temer, seu PMDB e aparentados tucanos.

Foi uma aposta que acreditou que, ao final, o desejo se materializaria simplesmente porque precisava se realizar, tendo influência decisiva na eleição. Justificando-o, o sucesso do impeachment se daria pela economia. O milagre se daria pelo "choque de credibilidade", como se Michel Temer e seu PMDB fossem exemplos de credibilidade. A esse tipo de pensamento ilusório, os americanos dão o nome de wishful thinking. Um erro que não é incomum.

Não foi preciso usar bolas de cristal para perceber a fragilidade do futuro. Primeiro, porque, para que houvesse um efeito tão profundo na eleição, seria necessário que o Brasil vivesse a mesma euforia de momentos como o Plano Cruzado (1986), o Plano Real (1994) ou o choque de crédito de Lula, em 2008-09 que teve efeitos em 2010. Em segundo lugar, porque muitos economistas já apontavam que o cenário internacional estava repleto de riscos e isto poderia atingir em cheio o Brasil. Esse tipo de dependência deveria levar à precaução.

Em virtude disto, haveria que se perguntar o quanto um crescimento apenas médio afetaria as altas taxas de desemprego. Voltaríamos à euforia do pleno emprego e do consumo, de modo a alterar o sentimento em relação à política?

Por último e mais importante, porque a turbulência política não daria trégua a Michel Temer. As reformas — da Previdência, sobretudo — não passariam num Congresso que sentia-se credor do presidente ao lhe salvar do afastamento do cargo e do processo judicial, por duas vezes e, talvez, tivesse que tornar a fazê-lo uma terceira vez. E como se isto não bastasse, a questão fiscal estreitava os limites do fisiologismo continuado e voraz da base governista. Não dando, não se recebe; simples assim. Era muita fé.

Ora, o clima de então e o cenário que se vislumbrava era de insegurança e, claro, nada afeta mais a confiança dos investidores que a imprevisibilidade. Há capacidade para crescer, mas o momento é incerto. Mesmo para correr riscos há cálculos e prudência. O espírito animal do empresário, como dizem os economistas, existe. Mas, não é o espírito de um asno.

Descrevi parte deste cenário na véspera do Natal de 2017, quando o otimismo, apesar de todos os tropeços daquele ano, ainda ia firme (leia aqui).

O fato é que descrentes, críticos e reticentes em relação àquelas esperanças foram chamados "pessimistas". Patriotada, insinuava-se que torciam contra o país. Como quase tudo no Brasil atual, as reações foram ad hominem, desqualificando o sujeito, desprezando a lógica do raciocínio. Nominavam: "petista"!, ou essa rediviva modalidade de ignorância que é chamar críticos de "comunistas". Pobreza de raciocínio e vazio de argumentos.

Todavia, caíram as fichas, a realidade vai se reconectando na cabeça do sujeito, que aos pouco percebe o que antes não conseguia alcançar. No último domingo, repercutindo trabalho do respeitado e insuspeito Afonso Celso Pastore, a Folha de S. Paulo revelou que a recuperação econômica porque passa o país é a mais lenta de toda a história. O Jornal Valor Econômico, de hoje, aponta o aumento dos riscos para o crescimento.

Encerramos o prometido maio de 2018 com as bolas murchas, no anticlímax da euforia que se anunciava. Não há felicidade nisso. Mas, a realidade, às vezes, ensina.

Medidas importantes foram de fato tomadas, não há de se negar esforço e seriedade à equipe econômica, uma espécie de "os olhos verdes no rosto do Corcunda de Notre Dame": o detalhe que não salva o conjunto; no máximo, o alivia. O governo, no resto, é controverso ou um desastre de verdade. Trocar o PT pelo PMDB e seus satélites não trouxe ganhos morais ou políticos.

Manteve-se a incerteza em relação ao cenário político, o futuro  eleitoral é aflitivo. À esquerda e à direita, o populismo das soluções fáceis; fanfarronice e retórica voluntarista. No eleitor, o desejo de mandar tudo para o inferno ou se deixar seduzir por encantadores de serpentes. O outsider não surgiu, embora haja demanda por esse tipo de salvacionismo. O debate se coloca no nível primário das questões da Lava Jato e da prisão do ex-presidente Lula. Há poucas esperanças de racionalidade econômica.

No chamado "centro", fragmentado em intenções e caráteres de todos os tipos, candidaturas que não conseguem decolar. Seja pelos resultados efetivos, seja pela questão ética, Michel Temer tornou-se num passivo tóxico. Raros os que defendem seu governo e é natural o constrangimento, num ano eleitoral, em professar uma agenda entendida como impopular.

Ao apoiar Henrique Meirelles, o presidente expressa o parco resultado de seu governo. Houvesse trunfos e chances, o candidato seria ele, Michel Temer. Tampouco o faz pela certeza de um nome competitivo ou pelo sacrifício da defesa de seu duvidoso legado. Na verdade, Meirelles ficará exposto ao escárnio que Temer não quer submeter a si próprio. No mais, será uma forma de aliviar Geraldo Alckmin, numa tentativa de retirar a fotografia de Temer que também vai às costas do tucano e serviria como alvo dos adversários.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.