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Blog do Carlos Melo

Sinais importantes

Carlos Melo

04/05/2018 13h59

Gritos e objetos: o presidente nas ruas. Imagem: Nelson Antoine/Associated Press.

A semana política foi curta, em virtude dos feriados, e dispersiva em consequência das imagens da tragédia envolvendo o edifício Wilton Paes de Almeida, que queimou e desabou, no Largo do Paissandu, no centro de São Paulo (escrevi a respeito, leia aqui). Mesmo assim, alguns fatos a marcaram e emitiram importantes sinais: a saraivada de vaias e objetos que recebeu Michel Temer ao visitar o local do incêndio é um deles; a decisão do STF em relação ao foro privilegiado foi outro.

A hostil recepção que o presidente recebeu na rua, no momento em que alegava prestar solidariedade aos moradores do edifício incendiado, é sinal inequívoco da baixíssima popularidade de quem, paradoxalmente, ainda insinua — ao menos de público — uma candidatura à presidência da República, neste ano. Um presidente que não pode andar nas ruas. Michel Temer não apenas é inviável como candidato. Seu desgaste é tamanho que também seu apoio se constitui em material tóxico, capaz de contaminar a quem ao seu redor se deixar apanhar.

O momento radiante da economia, que o governo prometia e alguns economistas acreditavam, não veio e nem tão cedo chegará. O desemprego é ainda muito elevado, a precarização do emprego é grande e importantes setores econômicos continuam estagnados. Acresce a isto, a suspeita de que o bom momento economia internacional acabou, o que afetará o país. A ilusão em relação às possibilidades de seu governo acabou.

Mas, não apenas isto. Michel Temer não conseguiu sair do noticiário de escândalos de corrupção. Seus amigos, correligionários, auxiliares e ex auxiliares são a cada dia mais e mais arrolados com a Justiça, sendo que agora também sua família foi jogada para dentro desse redemoinho. O presidente precisará sair com uma lanterna na mão, em plena luz do dia, em busca de quem acredite em sua versão para tantos casos mal explicados. Num clima assim, será muito difícil recuperar qualquer nível de credibilidade, ainda que em patamares modestos.

Isto não é problema apenas para o governo e para as pretensões dos ocupantes do Palácio do Planalto. Claro que o desgaste também afeta o MDB, de cujo presidente é seu maior símbolo. E, em que pese a formidável máquina eleitoral do partido — que conta com mais de um milhar de prefeituras, governos estaduais e governo Federal — a imagem de Temer, envolvido em tantas denúncias, tende a comprometer os destinos dos candidatos da legenda. Haja recursos para convencer eleitores!

Com base nos dados de eleições passadas, onde a máquina contou e muito, há analistas ainda crentes no poder de recuperação do governo e do MDB. No Brasil,nunca é demais repetir, nada é impossível, nem mesmo o sargento Garcia capturar o Zorro. Mas, estrutura eleitoral e tempo de TV não são tudo numa eleição que se dará em tempos tão tortuosos como os que se vive. Podem ajudar em condições normais, mas o humor da opinião pública também é, neste quadro, uma variável muito, mas muito importante. Será determinante para disputa pela presidência da República, pelo menos.

O quadro também afeta o PSDB, que na vacilação que lhe é usual demorou a desvencilhar-se do governo Temer e de Aécio Neves, restando também contaminado pelo desgaste de ambos. Esse sentimento é um complicador para um candidato com dificuldades em decolar nas pesquisas e que precisará ainda mais do tempo de TV, como é o caso de Geraldo Alckmin. Uma associação eleitoral com o presidente Temer e seu MDB, pode ser a pá de cal na candidatura do ex-governador de São Paulo. Terá tempo de televisão, muito a explicar e nada a dizer.

Se já encontra dificuldades na companhia de tucanos, quanto mais dificuldades encontrará se estiver ainda mais mal acompanhado, pelo presidente Temer?

***

Outro acontecimento importante foi a restrição à regra do foro privilegiado para senadores e deputados federais, decidida pelo Supremo Tribunal Federal. A medida é importante como sinal de moralização.

Com efeito, a chamada imunidade parlamentar foi desvirtuada ao longo dos anos. Não assegurou somente a liberdade de opinião e de votos no exercício e em função dos mandatos, mas também protegeu parlamentares da punição a qualquer delito comum, praticado antes e durante os mandatos; um habeas corpus permanente. Restam ainda dúvidas sobre a aplicabilidade da decisão, mas retirar esses casos da alçada do Supremo, que vinham congestionando o fluxo do STF, foi um inegável avanço.

Avanço, somente. Não mais. O país ainda está distante de igualar direitos e deveres de todos seus cidadãos. Presidente da República e seu vice, ministros, governadores, prefeitos, juízes e promotores continuam com seus foros especiais. Pode ser uma questão de tempo, mas essa diferenciação tem servido de abrigo suspeito para muitos que, hoje, estariam em maus lençóis, se julgados fossem pela primeira e segunda instâncias do judiciário, como qualquer cidadão comum.

Mas, também aí, tampouco tudo se resolve e é preciso ficar atento. Há enorme variedade de critérios e personalidades nesses juizados. Conluios locais entre políticos e agentes da Justiça não podem ser descartados num país como o Brasil. O território é imenso e nos grotões quase nunca há forças contraditórias, oposição e imprensa livre, capaz ou disposta a acompanhar e difundir informações dos processos. Nem sempre há sociedade ativa. Na verdade, normalmente, não há.

O que de fato contará para o fim desse tipo de impunidade não será apenas o local onde o sujeito será processado e julgado, a fiscalização ativa da opinião pública e a higidez das instituições são mais importantes. Onde houver, o futuro trará resultados diferentes e melhores que os atuais. Onde não houver nada disto… Bem, já se sabe o que acontece. Basta olhar para o processo que nos trouxe até aqui.

Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

Sobre o Autor

Carlos Melo é paulistano, filho de açorianos e nasceu em 1965. Cientista político, com graduação, mestrado e doutorado na PUC-SP. Professor de tempo integral do Insper desde 1999; colecionou experiências, conquistou prêmios de ensino. Analista político, com colaboração em vários meios de comunicação; palestrante e consultor. Autor de "Collor, o ator e suas circunstâncias".

Sobre o Blog

Juízos de valor não importam, o leitor que construa os seus. O que se busca é a compreensão, sem certezas, nem verdades; antes, a reflexão. É o canto de um homem sem medo de exalar dúvidas. "Nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento", diz Spinoza; "eu quase de nada sei, mas desconfio de muita coisa", arremata Guimarães Rosa.